domingo, 5 de setembro de 2010

O Amor Natimorto

- Nossa, ele é tão bonito. Maria pensa baixinho, mal escuta o que as amigas tagarelam na mesa entre os goles de cerveja ou vodka. Sem perceber mexe em sua bolsa e procura o espelho, se olha nele e tenta ver todos os seus ângulos, os reais e os imaginários. Coloca a bolsa no colo e tenta voltar pra animada conversa da mesa.
- Você está louco, esse jogador é uma bosta, foi tarde do meu time. José está totalmente distraído, numa animada discussão sobre futebol. Apesar de tudo não pode deixar de notar a menina que se olha no espelho distraída, parecendo imersa em seu próprio mundo. - Como ela é bonita, pensa.

Por um instante Maria pensa em João, e em como ele a machucou. Sempre que ela pensa, ainda que inconscientemente em um garoto, ela lembra de João. Graças a tudo o que aconteceu em seu último relacionamento ela se fechou e levantou seus escudos. Antes, os garotos tinham potencial de ser o amor da sua vida, agora todos são potenciais fontes de dor. As coisas inverteram, e de lá pra cá sua razão fala mais alto que os sentimentos.

José se lembra de Madalena, da traição e depois dela indo embora. Os homens gostam de bancar os durões mas Madalena deixou José no chão. Ele realmente gostava dela, e ela só pisou. Mulheres! Gostam mesmo é de ter um animal de estimação, não de um namorado. Por isso os caras pelos quais elas caem de quatro geralmente são os canalhas, ele pensa. Mundo de merda.

De repente Marina, uma das amigas da mesa de Maria, reconhece Mário, um dos amigos da mesa de João, e assim eles vão das apresentações até até a junção das mesas. José senta ao lado de Maria.
Eles falam pouco um com o outro, cada um com seus medos e seus receios: Maria se acha feia, gorda, burra e em tudo que ela enxerga de maravilhoso nele, ela se coloca no extremo oposto. José segue na mesma linha, com seus medos e problemas. Todos se divertem e no fim do dia se despedem. José pensa em pedir o msn ou orkut de Maria, mas acha melhor não. Maria queria que ele lhe pedisse o número de celular, mas entende o fato de ele não perguntar como desinteresse.
E assim termina aquele sábado, José indo pra casa, solitário, pensando em Maria, e Maria na frente da TV pensando em José.
Eles nunca mais se encontraram.

Sobre Aspirinas e o Éter

Existe uma doença inominada que ataca certas pessoas. Ela tem sintomas estranhos e não se sabe se tem cura ou mesmo se é contagiosa. Um sintoma desses, por exemplo, é aquela sensação estranha de que alguma coisa ruim vai acontecer. A pessoa acometida desse sintoma sofre uma atrofia terrível, pois é uma atrofia na alma. Essa atrofia a impede, por exemplo, de perseguir seus sonhos. Com a alma atrofiada, ela perde suas asas. Outro sintoma estranho é o de sofrer por antecedência. As pessoas com esse problema tem uma espécie de síndrome do início/fim. Ela tem medo de começar alguma coisa, e quando começa só consegue pensar no quanto vai se machucar no final e assim ela não vive o meio. Tem também um sintoma mais grave que é a que impede a pessoa de enxergar a mudança. O doente acha que nada muda, e com isso não sai do lugar, aceitando o sofrimento e a tristeza que o acomete. Tem também o sintoma que poderia ser chamada de amarfobia. Com medo da dor as pessoas se encolhem, não se permitem amar e não se entregam nem pra outro e nem pra vida. O pior sintoma de todos é o gritar-pra-dentro. A pessoa simplesmente não consegue falar o que pensa e o que sente, abafa o grito e a vontade de gritar só aumenta, mas não sai do fundo da garganta. Essas pessoas não conhecem o silêncio pois dentro de sua cabeça existe um grito sem fim, que aumenta em tempos periódicos. Infelizmente, tudo o que posso fazer é receitar umas Aspirinas, solicitar que tomem de 6 em horas (nos casos mais graves de 2 em 2) e que elas possam deixar seus pensamentos passearem no Éter, fora da caixa craniana, libertos de si mesmo.