terça-feira, 22 de junho de 2010

Cinza e Prata

Eu sempre achei que cinza combina com prata. Essa cidade com dias nublados e paredes que um dia foram pintadas de branco, já desgastadas e encardidas com o passar do tempo. Eu gosto disso e dessa garoa fina que cai todos os dias e as tempestades horrorosas do verão.
Esse inverno está bom, realmente frio e escuro. Estou com minha roupa preferida, meu sobretudo cinza e o meu chapéu, belo chapéu. Nada como a melhor roupa para uma bela ocasião.
Eu gosto de cinzas, percebi isso quando meu pai acendeu uma fogueira uma vez quando era garoto, eu fiquei vendo o fogo apagar e aqueles galhos ficarem grisalhos pela manhã. Aquela noite foi horrível, mas as cinzas pela manhã me fizeram respirar de novo.
Tem uma moeda no meu bolso, ela é de prata, legitima, uma relíquia nesses tempos escassos. Mas eu gosto disso, gosto dessa decadência. Aqui ninguém realmente consegue ser melhor que ninguém, e eu me sinto bem com isso.
Tem um caminhão passando pela rua, odeio esses novos combustíveis, eles sempre me assustam, mas parece que hoje é o meu dia de sorte. Eu não gosto de fogo, mas gosto de cinzas e de prata.
A calçada é muito estreita, eu empurro algumas pessoas para chegar até ela, ela tem uma expressão tão doce. Eu não sei quem é, não faço ideia de sua história ou origem. Mas em poucos segundos eu a atiro contra a labareda forte jorrada pelo caminhão. Ela berra e queima viva, as pessoas não ajudam, os bombeiros nunca chegam, eles não me vêem. Amanhã lerei sobre as cinzas e pegarei as pratas.
Adeus menina e me desculpe, mas eu realmente gosto de cinza.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A Caixa

Ele tinha aquele sonho de maneira recorrente, e isso o perturbava. Ele não entendia como podia sonhar com aquelas coisas, afinal nada daquilo tinha a ver com ele. Por todos os meios disponíveis de observação e análise ele se enquadrava no quesito sujeito normal, o que o deixava ainda mais perplexo por ter aqueles sonhos tão loucos. E o pior de tudo é que ele não conseguia traçar paralelos entre os sonhos e sua vida, pois todos diziam que os sonhos eram influenciados pela nossa vida e nossos desejos inconscientes, e ele não desejava nada de muito absurdo nem mesmo por detrás da cortina de sua mente. Sendo assim como podia ter aquelas facas nos seus sonhos?
Tudo bem, facas podem significar tantas coisas, pode ser seu desejo de cortar fora algumas coisas da sua vida, como o cigarro. Ele queria mesmo parar de fumar mas não conseguia, por mais que sua esposa e filha pedissem, culpa do estresse, provavelmente. Mas e aquele monte de ossos? Ele nunca cortou nem uma carne para fazer bifes! E nem eram os ossos o pior de tudo, mas tinha aquela espécie de cão com partes de outros animais costurados com linhas grossas e que no lugar de dentes tinha cabeças de garfos. O cão guardava a parte detrás de uma casa totalmente escura com uma espécie de líquido melífluo preto escorrendo de todos os cantos, mas por alguma razão aquilo não pingava nele. No sonho aquele lugar cinza com cheiro de mofo e de sangue velho e com um ar salobro era a casa dele ou pelo menos assim parecia. Tudo era velho na casa e parecia que tinha pegado fogo mas fora apagado antes de se consumir. Ele não conseguia dizer quantos cômodos tinham porque eles se misturavam em ângulos estranhos, em alguns momentos dava mesmo a impressão de terem sido esculpidos na pedra. Ele achava completamente louco sonhar com algo tão maldoso como casa, uma vez que ele gostava mesmo do apartamento onde morava. Ele sentia muito orgulho de tê-lo comprado e tinha muitas recordações maravilhosas dali. Não havia jardim, não que isso o incomodasse, ele nunca quis um jardim, ou um quintal ou um cachorro, ele realmente gostava de apartamentos, eram aconchegantes, seguros e fáceis de limpar. Mas tinha esse sonho, com essa casa que parecia algo saído de um conto de serial killer. E tinha esse quintal com um cachorro feito de pedaços de animais e garfos no lugar dos dentes, seus olhos eram como os de um peixe morto, feios e opacos, você nunca sabia se eles estavam olhando mesmo para você mas sentia como se eles quisessem aprisionar a sua alma. E nesse quintal havia um pequeno portão que dava para um jardim, mas não era um jardim como os que vemos nas casas vizinhas, ele dava várias tipo de flores feias com cheiro nauseante. Ao invés de abelhas havia muitas moscas enormes e verdes cobertas de espinhos, não havia pássaros mas ratos com rabos enormes e olhos de uma maldade ameaçadora, seus dentes pareciam duas lâminas enferrujadas sempre pingando algum líquido viscoso verde ou marrom, e o cheiro que vinha desse jardim era algo simplesmente indescritível. Havia flores que se pareciam com enormes repolhos gigantes apoiados em caules secos e retorcidos, dela vinha um cheiro de ovo podre tão forte que era impossível chegar a 20 metros dela sem vomitar. Haviam folhas que se pareciam com bifes de carne podre, com vermes passeando por ela, e sua cor de sangue coagulado, havia flores que se pareciam com grandes pedaços de membros humanos gangrenosos e com enormes furúnculos, que emanavam um cheiro de peixe estragado e fezes, e várias outras tão feias e com cheiros de enxofre, urina e vômito. Mas aquele jardim era guardado pelo cão-coisa e ele sabia que ninguém poderia entrar lá. Talvez por isso as facas. Mas ele não entendia porque os homens-sapo e as mulheres-coelho. No sonho nunca tinha ninguém conhecido, nem mesmo ninguém inteiramente humano. Havia aqueles homem-sapos, com suas caras verdes e olhos grandes e amarelos, com suas línguas gigantes e sua insaciável fome de moscas. Eles viviam querendo entrar no jardim para se banquetear com as moscas verdes gigantes, mas ele sabia que não poderia deixar, pois as moscas eram as responsáveis por manter aquele jardim florescendo. Droga, florescendo! Essa palavra não se aplicava aquele jardim. E tinha também as mulheres-coelho, com seu pêlo macio e sua cara inocente, mas seus olhos eram como os de tubarões e o som de seu riso parecia com o raspar de faca no mármore. Elas tentavam seduzí-lo, e por todos os cantos daquela casa elas copulavam com os homens-sapo, mas não era excitante. Suas cópulas eram feias, de suas vaginas saia um cheiro de suor velho misturado com desinfetante de eucalipto, eram vermelhas sangue, e delas escorria um líquido amarelado e viscoso. Muitas vezes elas estavam fazendo sexo-anal, com sangue e fezes escorrendo, enquanto os homens-sapo ficavam completamente hipnotizados enfiando seus pênis que pareciam linguiça com verrugas. Eles faziam um gemido horrível, que ora parecia com os galhos de uma árvore raspando na janela em dia de vento, ora com uma menininha sendo violentada por um touro. Mas ele no sonho sempre evitava olhar praquilo, assim como evitava olhar pro jardim assim como evitava olhar pro cão-coisa. Nessas horas ele ia pra um lugar da casa que ele não saberia dizer se era dentro ou fora, ou mesmo se era ali, mas era um lugar escuro, com paredes ocas de vidro, cheias por dentro de um líquido preto e vermelho que ficava se movendo sem se misturar, e com uma pequena iluminação vermelha que vinha dos olhos de rubi incrustrados num rosto humano de uma criança. Essa luz iluminava um pequeno canto desse quarto aonde havia uma caixa, feita de ossos e forrada com tripas, uma cabeça de cobra encimava a tampa. Parecia haver ali alguma coisa muito importante e também muito pessoal, mas toda vez que ele abria a caixa ele acordava. Ele acreditava que esse sonho era recorrente porque ele nunca conseguia abrir a caixa, e ele simplesmente não sabia como fazer. Mas toda vez que ele acordava suando de madrugada, ele olhava em volta do quarto de seu apartamento, olhava sua mulher dormindo, ia até o quarto de sua filha para certificar que ela está ali e vai até a geladeira e pega um copo de água enquanto acende um cigarro. Ele sabe que sua vida é boa, e que ele não tem desejo de matar ninguém com facas nem de copular com mulheres-coelho, e que talvez seja isso o que o seu sonho queira dizer, que mesmo com esse mundo feio do lado fora, ele conseguiu viver feliz ali, dentro da caixa, pra sempre.

sábado, 5 de junho de 2010

Desabafo: A Morte

A morte nunca faz parte de histórias felizes. É sempre algo que nos inspira tristeza e dores, que nos faz pensar sobre a nossa existência e do que nós temos sido para nossos parentes e amigos. Sinto, a cada dia que passa, como se eu estivesse sendo um peso e como se cada pessoa fosse um peso. Não aquele tipo de peso desnecessário e que se deve dispensar, mas aquele, que mesmo que pese demais, jamais possamos nos desvencilhar dele. Somos pesos na vida das pessoas, assim como nós e os outros são pesos nas nossas vidas, jamais poderíamos nos livrar disso.
Eu tenho medo demais, de que um dia, as pessoas tenham que ser leves demais, ou forem apenas tratadas pelo peso “físico” delas, e julgadas. Sabe?
A morte, ou o final da existência, para alguns, me faz pensar que amo. Eu sinto falta dos defeitos e de todas as vezes que até mesmo choro por não ter conflitado minha opinião com uma determinada pessoa que eu amo.
Temo que não tenha sido a pessoa que menos trouxe problemas, que não tenha sido compreensiva e nem amável. Fico triste, todos os dias que penso nas palavras torpes que digo e atitudes estupidas que por algum motivo faço. Temo que um dia alem de mim saiam outros muito machucados a cada discussão mais séria, sinceramente tenho medo, tanto medo que meu coração chega a se comprimir toda vez que penso em algo realmente ruim a dizer. Mesmo quando o ódio me consome, mesmo quando a ira seria proporcional para um apocalipse, mesmo quando a vida é figurativa, existe algo, que não me deixa fazer a pior burrada do universo.
A morte me lembra que matar alguém, não é apenas um processo físico. E eu choro toda vez que descubro que matei uma parte de alguém....