Estávamos todos na sala, sentados, desnorteados e procurando sentido no que acabara de acontecer. Eu pensei em pedir um cigarro, mas comecei a me perguntar se eu fumava mesmo ou se tudo que eu acreditava que era não passava de uma ilusão de como se fosse sempre assim. Não fazia nem uma hora que o primeiro de nós teve a primeira visão. Coisas de muito tempo atrás, sombrias, alegres e sem nenhum sentido.
Essa é a minha primeira lembrança de depois de que eu comecei a recuperar minha memória. É como acordar do coma, ou como se manter morto por anos e surgir dos mortos e esquecidos em meio a uma avalanche e tentar se livrar dela. Tentar viver novamente.
- Então, essa é a primeira vez que estamos todos reunidos? - eu quebrei o silencio.
- Acredito que não, mas, talvez nessa vida sim. - disse Luciano, irmão mais velho de Marina que ainda chorava no canto inverso ao meu.
- Mas por que isso agora? - Marcos procurava um amparo mental ao que acabara de acontecer.
Aos poucos, nossas perguntas eram respondidas por outras perguntas e, a todo momento, imagens do passado eram vomitadas de nossas mentes, sentimentos e laços reforçados a cada momento. Sem explicação maior, um grupo de jovens que mal se conhecia descobriu ser como uma família a muitos anos.
Foi então que eu compreendi que eu tinha 20 anos a séculos, e a cada vez que a sociedade mudava, minha realidade mudava e eu acreditava que era Lucia, Mariana, Laura, Roberta, Ana, Maria e muitos outros nomes como Patricia, meu atual nome. Minhas vidas foram sendo desmistificadas como realidades que existiram apenas por um curto tempo, apenas nas vidas ilusórias que eu vivi, do nascimento a morte.
- Algum de vocês se lembra de morrer? - cortei o silencio, mais uma vez.
Todos se entreolharam. Inclusive eu me perguntei novamente, “eu morri? Me lembro de algo como morrer?”. Com caras duvidosas e temerosas, todos negaram com a cabeça.
- Eu acho que nunca morri, né? - disse Marcos receoso – Bom, eu acho que não, porque a morte deve ser algo que você se lembre bem. Eu acho. - novamente todas as cabeças concordaram e o silencio desconfortável pairou novamente naquela sala.
João enfim, resolveu acender o cigarro. Foi o primeiro de nós a levantar e lutar contra aquela sensação desconfortável de impotência diante de nós mesmos. E foi quando eu o notei mais familiar do que antes. Eu por um momento soube que já sabia que ele faria isso, e seus passos a seguir eu poderia prever, afinal eu o conhecia muito bem, ele era meu melhor amigo a séculos, mas nessa vida, ou nessa ilusão de vida, nós só nos encontramos uma vez.
- E então, quem somos afinal? - perguntou João dando o primeiro trago,
- Eu não sei, mas tenho a inclinação de dizer alguma coisa, um nome, mas não consigo lembrar, entende? Como se estivesse na ponta da língua, mas não está. - dizia Roberto, tentando se lembrar do que deveria ter dito.
Enfim me convenci naquele momento que aquele não era um encontro de jovens normais, nem muito menos um encontro normal de jovens excêntricos, que era para ter sido. E olhei novamente para João, senti um aperto no coração por nunca mais te-lo tratado como tal. Nesse momento ele me olhou de volta, parecia que ele acabara de lembrar também. Eu levantei e caminhei até ele, nos abraçamos forte.
- Esperança, minha amiga, como senti sua falta!