segunda-feira, 28 de março de 2011

Auto-retrato

Acho que esse é o meu momento, então vou falar de mim. Eu sou um loser. Sim, digo isso sem dramas e sem querer causar comoção em ninguém. É só um fato. Não estudei o necessário, não tenho uma carreira nem sequer razoável, não constituí família. Tive alguns relacionamentos, mas nenhum seguiu adiante.

Eu as amei, cada uma delas a seu tempo, mas não era pra ser. Durante muito tempo eu acreditei que a culpa era delas, me achava um incompreendido, sempre acreditei ser o otário passado pra trás da relação. Mas hoje, depois de tanto tempo eu descobri a verdade. O problema era eu. Não que eu não tenha tido acertos, tentei fazer minha parte, tentei mostrar o quanto as amava ainda que do meu jeito torto, mas não fiz o suficiente. Eu sei disso. Eu sei que elas me amaram, tenho certeza. Tem uma coisa sobre mim que eu descobri depois de muito tempo, e que pode ajudar a explicar a minha falha em manter relacionamentos de longa duração, tanto os amorosos quanto as amizades. Existe algo dentro de mim. Não necessariamente dentro de mim, mas da minha mente. É algo que só agora me dou conta que deve ter tido seu embrião por volta dos meus 15 anos. É algo escuro, frio e confuso. E conforme eu fui crescendo ela foi crescendo junto e foi tomando conta de mim, por isso eu sou escuro, frio e confuso. Eu deveria ter percebido isso há mais tempo. Lembro de uma conversa que eu tive com alguém, que talvez gostasse mesmo de mim e por isso tenha prestado atenção, em que eu disse: "estou triste", e ele respondeu: "você não está triste, você é triste. Intrinsecamente e profundamente triste". E eu disse: "não, não sou". Eu não me lembro quem era essa pessoa. Isso é triste. Eu fiz alguns bons amigos, mas nunca fui bom em mantê-los. Faz parte de se viver num mundo escuro, frio e confuso. Hoje eu tenho 40 anos. 40 anos de uma vida vazia, de uma vida vivida para dentro, no meu próprio mundo escuro, sentindo e sendo frio, totalmente confuso. Uma frase da Virginia Woolf define bem minha falha: "Eu perdi amigos, alguns com a morte, outros por simples incapacidade de atravessar a rua." Apesar de tudo alguns amigos e pessoas próximas perceberam alguns sinais. Nem todos percebem, eu mesmo não percebi. Eu queria muito sair desse ciclo de descer ladeira abaixo mesmo quando as coisas estão bem, mas conforme o tempo passou eu percebi que fui ficando cada vez mais confuso, ao invés de menos. Hoje só posso fazer o que fiz a vida inteira: lamentar e pedir desculpas. Não tenho muito mais a oferecer, já que tive uma vida de um loop de desculpas e lamentações. E é assim que eu encerro esse pequeno retrato de mim mesmo: me desculpando por tudo.
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A mãe acabara de ler a nota. Olha mais uma vez para o corpo do filho naquela mesa do IML. A nota fora encontrada na cena da morte, junto ao frasco de veneno. Ela não sabe definir o que sente, sua mente é um turbilhão: ela sente tristeza, dor, culpa, remorso, impotência. Mas não sente raiva. Ela guarda a nota no bolso enquanto os legistas empurram a mesa para dentro do freezer. Ela se dá conta que um pedaço de si mesma se foi. Ela diz baixinho: "eu te amo, filho. Me desculpe". E essa foi a última coisa que disse antes de mergulhar na escuridão.

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