Eu sempre achei que cinza combina com prata. Essa cidade com dias nublados e paredes que um dia foram pintadas de branco, já desgastadas e encardidas com o passar do tempo. Eu gosto disso e dessa garoa fina que cai todos os dias e as tempestades horrorosas do verão.
Esse inverno está bom, realmente frio e escuro. Estou com minha roupa preferida, meu sobretudo cinza e o meu chapéu, belo chapéu. Nada como a melhor roupa para uma bela ocasião.
Eu gosto de cinzas, percebi isso quando meu pai acendeu uma fogueira uma vez quando era garoto, eu fiquei vendo o fogo apagar e aqueles galhos ficarem grisalhos pela manhã. Aquela noite foi horrível, mas as cinzas pela manhã me fizeram respirar de novo.
Tem uma moeda no meu bolso, ela é de prata, legitima, uma relíquia nesses tempos escassos. Mas eu gosto disso, gosto dessa decadência. Aqui ninguém realmente consegue ser melhor que ninguém, e eu me sinto bem com isso.
Tem um caminhão passando pela rua, odeio esses novos combustíveis, eles sempre me assustam, mas parece que hoje é o meu dia de sorte. Eu não gosto de fogo, mas gosto de cinzas e de prata.
A calçada é muito estreita, eu empurro algumas pessoas para chegar até ela, ela tem uma expressão tão doce. Eu não sei quem é, não faço ideia de sua história ou origem. Mas em poucos segundos eu a atiro contra a labareda forte jorrada pelo caminhão. Ela berra e queima viva, as pessoas não ajudam, os bombeiros nunca chegam, eles não me vêem. Amanhã lerei sobre as cinzas e pegarei as pratas.
Adeus menina e me desculpe, mas eu realmente gosto de cinza.
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