domingo, 19 de dezembro de 2010

Demônios

Ele segurava seus joelhos com força sentado ali apoiado na cabeceira da cama. Ele sabe que não pode gritar, pois se acordar seus pais a punição será severa. Ele apóia a cabeça nos joelhos e fecha os olhos com força. Ele segura seu pequeno crucifixo na mão direita e pede aos céus que o proteja. Mas ele tem medo.
Ali no escuro e no silêncio ele se sente sozinho. Ele abre os olhos, ou imagina que os abriu, não saberia dizer, e olha pelo canto do olho. Ele sabe que estão ali, aqueles olhos a fitá-lo com escárnio, zombando do seu medo. Ele tenta se mover o mínimo possível, ele aperta o pequeno crucifixo em sua mão e volta a fechar os olhos. Então ele pode ouvir o barulho embaixo da cama. A sua cama treme de leve e por um instante ele imagina que a cama vai levitar. Ele olha para a janela e pela pequena fresta o vento entra e balança a cortina, que se move sinistramente. Em cada vinda da cortina ele se pergunta se aquilo que vê seria um rosto o observando. Sim, ele quase pode ver aqueles olhos grandes, inexpressivos, espreitando. A porta de seu armário se move lentamente, fazendo soar um leve ranger que parece durar minutos. Tudo parece ganhar vida naquele quarto, e ele quer acreditar que é o vento. Ele tem a impressão que luzes piscam no seu quarto, mas ele não saberia dizer de onde vem. Ele começa a rezar, mas quando ele faz isso parece que tudo se intensifica ali: o farfalhar da cortina, a tremida da cama, as luzes que piscam, o ranger da porta, o rosto na janela. Ele começa a sentir um gelo que cresce incontrolavelmente dentro dele, como se tudo fosse explodir num instante. Ele pode ouvir seu nome ser pronunciado, ele queria que fossem os anjos, mas ele tem a certeza que não pela inflexão da voz. Ele se deixa arrastar pela cama e puxa a coberta até o rosto, mas ele tem certeza que tem um rosto bem acima do dele, e ele não ousa tirar a coberta. O som da cortina começa a confundí-lo, a porta do armário com certeza se abriu, e o rosto da janela com certeza está lá, esperando. Ele fecha os olhos e se encolhe. Ele fica ali, atento a tudo, rezando e apertando o seu cricifixo, torcendo para que a colcha possa ser suficiente para sua proteção. E assim adormece.

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- Ei menino, acorde, vamos, você tem que ir pra escola. Vamos rapazinho, como dorme, não sei como consegue!

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- Pronto amor, aqui está seu café, e pra você aqui está seu cereal.
- Viu filhão, você já é um rapazinho, dorme sozinho. Eu não disse que não precisava ter medo?

3 comentários:

vento sul disse...

duvido que as meninas passem por isso, rs.

Luke disse...

Confesso que esse texto foi um misto de reminiscências de minha infância mais meu momento atual em que tenho lido bastante sobre feminismo. Ele é uma espécie de texto contra o machismo e de como ele começa.

MiniRê disse...

Eu sei exatamente como é isso...