Olá pessoal...
Desculpem-me pelo sumiço pelo blog, mas como essa aqui não é a minha única ocupação, e nem uma das minhas principais ocupações, durante esse tempo ficou prejudicada. Estou com alguns pepinos para resolver, trabalhos e provas da faculdade. Minha agenda está lotada, mas acredito que dentro de menos de uma semana as coisas melhorem, portanto devo voltar a postar com frequência nesse blog.
Quanto ao Dias Noturnos, eu pretendo postar um capitulo por semana, mas não sei se farei em um dia certo, até porque não quero forçar o desenvolvimento do conto me prendendo a dias. Portanto acredito que alguns capítulos serão escritos mais rápidos do que os outros.
Enfim, não vou prolongar mais isso, voltarei a postar em breve.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
domingo, 10 de maio de 2009
Dias Noturnos - Capítulo 3 (A Carta)
“A ultima vez, aquela única vez, primeira e única vez que eu recebi uma carta. Isso faz tanto tempo...” E ela novamente caia em seus sonhos e lembranças. Sara tentava resgatar uma parte boa do seu passado.
- Uma carta para mim? Mãe, deixa eu ler!
- Só pode estar fora de si! - dizia sua mãe rindo – sou sua mãe, devo ler primeiro!
- Mas mãe, as cartas são coisas pessoais, particulares!
- Sem mais nem menos! Afinal no dia que você morar sozinha poderá ler todas as cartas que chegarem em sua casa!
- Mãe, isso não está certo! – Sara cruzava os braços.
- Se continuar reclamando não poderá ler a carta! - depois dessa frase Sara ficou em silencio e se jogou no sofá, seu rosto retratava seu mau humor, enquanto isso sua mãe olhava o remetente.. - Ah! É do seu primo Marcos! - e começou a abrir o envelope quando de repente o bendito celular da Sra. Falcão tocou, e ela esbaforida como sempre deixou a carta cair no chão e atendeu o celular. Sara deduziu que era algo muito importante pela contração dos músculos faciais de sua mãe, mas não conseguia prestar atenção em nada que ela dizia, queria mesmo saber o que estava naquela carta.
Por sorte de Sara sua mãe esqueceu completamente o que estava fazendo e saiu pela porta a fora, provavelmente algum problema nos negócios da família, Sara não quis saber, ao perceber que sua mãe não voltaria tão cedo pegou aquela carta e subiu para seu quarto tão rápida quanto a luz.
- Marcos... ai Marcos! Não poderia ser melhor... - dizia Sara espaçadamente quase sussurrando e apertando a carta contra o peito – ...receber uma carta e ainda mais sua! Gostaria que estivesse aqui. - respirou fundo e decidiu abrir a carta.
“Planícies Bonitas, 17 de Abril de 2048
Querida prima Sara,
Sinto saudades de todo o tempo que passamos juntos aqui na minha fazenda, parece que o tempo passou mais rápido do que deveria quando você estava aqui, mas acredito que seja assim sempre que nos divertimos.
Estou mandando essa carta pois não tenho noticias de você desde que vocês voltaram para casa, quando os seus pais ligaram para cá dizendo que estava tudo bem, mas eu mesmo não consegui falar com você. Receio que talvez algum impedimento maior, pois não acredito que seu coração seja tão gelado assim, sei que seus pais nunca lhe deram um computador, mas não recebi nenhuma carta nem ao menos uma ligação sua. Estou com saudades de você, principalmente da ultima semana que você passou aqui, não fizemos tudo o que queríamos, não é mesmo?
O outro motivo pelo qual escrevo essa carta é porque este ano eu estou saindo de casa, no máximo em Julho estarei começando uma nova vida bem longe daqui, queria comemorar isso junto com o seu aniversário de 16 anos, mas infelizmente não creio que isso será possível.
Minha querida, me desculpa escrever uma carta tão pequena, mas agora tenho pouco tempo e muitas coisas para fazer, principalmente se eu quiser sair daqui em Julho. Aguardo uma resposta sua, e saiba que eu adoro você.
Beijos e abraços!
Marcos Borges”
...
A luz do dia começava a entrar pelas frestas da janela e rapidamente se arrastava até o rosto de Victor, aquela luz quente e amarela que tornava a visão de dentro das pálpebras adormecidas de Victor um borrão vermelho. O incomodo fez com que o corpo adormecido despertasse, este despertou também a mente e, esta por sua vez, despertou a fome.
Sentia-se fraco, ao tentar se virar para o outro lado, sentiu seu ombro doer e o estômago roncar. De fato estava se convencendo que era a hora de levantar. Victor foi abrindo os olhos lentamente e começou a finalmente ver os detalhes do quarto ao seu redor, o piso era de madeira e bem desgastado, a janela parecia ter sido forçada para fora, pois era completamente empenada, as paredes também de madeira e com buracos espalhados sem ordem e sem lógica. Ao terminar de ver os detalhes mais distantes que não havia percebido na noite em que acordou, Victor sentou-se e voltou a olhar para cama que estava forrada de branco, o lençol que o cobria era azul claro e havia um copo cheio de agua no mesmo lugar, em cima daquela mesinha de madeira e cheia de gavetas do lado da cabeceira da cama de ferro.
Ao perceber o copo cheio de agua, sentiu sua boca seca e impulsivamente pegou o copo e virou para dentro de si. Era como beber agua depois de dias em um deserto, ou pelomenos era assim que Victor se sentia, a agua estava fresca e saiu lavando a boca e toda a garganta, ele pôde inclusive sentir a agua batendo no estômago e a sensação de frescor por todo tórax.
Agora Victor percebia que estava completamente nu, sem roupas, sapatos ou documentos e estava também limpo, no geral, não realmente limpo, mas melhor do que se lembrava. Ora, Victor lembrava claramente que estava bem sujo quando Pedro o encontrou, inclusive, sujo e bem machucado. Lentamente ele percebeu as manchas roxas, dores leves e uma mancha roxa enorme na barriga, esta chamava atenção demais, provavelmente havia algo quebrado ali, ou alguma hemorragia enorme, mas não sabia o porque não sentia dores.
Lentamente os desejos e vontades vieram ao corpo de Victor, uma a uma, enquanto ele se levantava da cama, um misto de desejos e necessidades o invadiram. Sua mente borbulhava de pensamentos instintivos, prazeres, vários tipos de desejos e sensações. Era bom e agonizante, por um instante ele sentiu aliviar-se de uma dessas necessidades momentâneas, assim acordando do transe. Algo quente percorreu suas pernas e escorreu para o chão formando uma poça amarelada, Victor acabava de satisfazer um dos seus desejos, acabava de urinar, em si mesmo.
Novamente percebeu sua fraqueza e escorou nas paredes do pequeno quarto e caminhou de vagar até a porta, nu, molhado e fedorento. Ao chegar a porta, Victor se deparou com um corredor de madeira bem simples, que se estendia primeiramente para sua direita, como olhou, e terminava em um vasculhante, a dois passos dali, cujo deixava alguns raios de sol penetrar e se estender até os pés descalços dele. Ao voltar-se para a esquerda, observou uma porta estreita a menos de um passo na outra parede, estava entreaberta, e o corredor de madeira se estendia para uma escada que descia e depois virava, tornando impossível de se observar mais qualquer coisa alem disto.
Não havia muito barulho alem do estalar da madeira velha e da respiração de Victor que depois de alguns minutos, resolveu andar até o vasculhante. Passo por passo, miúdo e lento, cauteloso e sonolento, estava fraco, tendo se aproximado da janela, se posicionou na ponta dos pés observou algo que nunca imaginaria para aquele momento. Victor se via pela primeira vez em meio a escavações, talvez uma mina. Do alto onde estava, se viam maquinas enormes, escavadeiras, caminhões e pilhas de algum material branco cujo não dava para saber aquela distancia. Ele não se demorou, sentindo-se queimar pelo sol resolveu distanciar-se da pequena janela e ir até a porta estreita que estava entreaberta.
Victor parou em frente a porta e a empurrou lentamente, estava um pouco emperrada e arrastava no chão, mas nada que o próprio peso do braço não pudesse a deslocar. Logo se deparava com um pequeno cômodo cujo era habitado por um vaso sanitário sujo, uma pia pequena com uma pasta rosa parecida com sabonete derretido em sua parte superior a esquerda e um pequeno chuveiro no canto direito, do outro lado do cômodo. Era um banheiro mal feito e improvisado, mas em sua mente borbulhava a idéia de ter água naquele chuveiro esquecido e empoeirado.
Ao escorar a porta novamente, desta vez para fecha-la, percebeu uma toalha e um macacão cinza pendurados atrás dela. Parece que não só Victor queria que ele mesmo tomasse banho. A água demorou a cair e lentamente, junto com o ar que vinha da tubulação, a água que era quente foi esfriando e Victor enfiou-se em baixo dela e a deixou correr por um longo tempo com seus olhos fechados.
...
Sara tinha muitos sonhos, mas ultimamente sua determinação para que eles se realizassem estava ficando escassa. Ela viu nos filmes que as pessoas começavam por baixo e batalhavam muito, mas um dia alguém as notava e as colocavam em lugares de destaque na sociedade. Algo dizia a Sara que aquela carta era um sinal, um sinal de que alguém notara a sua significância.
Depois de tanta hesitação, ela resolveu abaixar-se e pegar aquele envelope curioso e cinza. Não havia nenhuma referencia nele, nem para quem era, nem de quem era, nenhum endereço nem letra, nem numero, apenas um papel cinza, chuviscado, como uma televisão fora do ar. Sara o analisou por mais algum tempo, era intrigante demais.
“O que pode ser isso? Será que é realmente para mim? Não acredito que seja, mas... será que se eu abrir estarei violando a privacidade de uma outra pessoa? Se essa carta for de outra pessoa eu realmente preciso entrega-la, mas e se for para mim mesma? Pode ser um erro não abrir...”
Sara abriu cuidadosamente o envelope, de forma que pudesse o colar novamente se a mensagem não fosse para ela. Sara já tinha visto isso em filmes e não cairia em uma cilada dessas. Retirou de la de dentro com bastante cuidado um papel branco bem dobrado e o abriu lentamente. A cada dobra seu coração palpitava como se estivesse fazendo algo errado, sua respiração ficava ofegante e suas mãos suavam. Por um momento, Sara pensou que não tivesse nada escrito, até desdobrar completamente o papel e encontrar os dizeres:
“Rua dos encontros, número 128, apartamento 512. A chave está no tapete, dentro tem a próxima pista. Desafio-te a não ir.”
- Uma carta para mim? Mãe, deixa eu ler!
- Só pode estar fora de si! - dizia sua mãe rindo – sou sua mãe, devo ler primeiro!
- Mas mãe, as cartas são coisas pessoais, particulares!
- Sem mais nem menos! Afinal no dia que você morar sozinha poderá ler todas as cartas que chegarem em sua casa!
- Mãe, isso não está certo! – Sara cruzava os braços.
- Se continuar reclamando não poderá ler a carta! - depois dessa frase Sara ficou em silencio e se jogou no sofá, seu rosto retratava seu mau humor, enquanto isso sua mãe olhava o remetente.. - Ah! É do seu primo Marcos! - e começou a abrir o envelope quando de repente o bendito celular da Sra. Falcão tocou, e ela esbaforida como sempre deixou a carta cair no chão e atendeu o celular. Sara deduziu que era algo muito importante pela contração dos músculos faciais de sua mãe, mas não conseguia prestar atenção em nada que ela dizia, queria mesmo saber o que estava naquela carta.
Por sorte de Sara sua mãe esqueceu completamente o que estava fazendo e saiu pela porta a fora, provavelmente algum problema nos negócios da família, Sara não quis saber, ao perceber que sua mãe não voltaria tão cedo pegou aquela carta e subiu para seu quarto tão rápida quanto a luz.
- Marcos... ai Marcos! Não poderia ser melhor... - dizia Sara espaçadamente quase sussurrando e apertando a carta contra o peito – ...receber uma carta e ainda mais sua! Gostaria que estivesse aqui. - respirou fundo e decidiu abrir a carta.
“Planícies Bonitas, 17 de Abril de 2048
Querida prima Sara,
Sinto saudades de todo o tempo que passamos juntos aqui na minha fazenda, parece que o tempo passou mais rápido do que deveria quando você estava aqui, mas acredito que seja assim sempre que nos divertimos.
Estou mandando essa carta pois não tenho noticias de você desde que vocês voltaram para casa, quando os seus pais ligaram para cá dizendo que estava tudo bem, mas eu mesmo não consegui falar com você. Receio que talvez algum impedimento maior, pois não acredito que seu coração seja tão gelado assim, sei que seus pais nunca lhe deram um computador, mas não recebi nenhuma carta nem ao menos uma ligação sua. Estou com saudades de você, principalmente da ultima semana que você passou aqui, não fizemos tudo o que queríamos, não é mesmo?
O outro motivo pelo qual escrevo essa carta é porque este ano eu estou saindo de casa, no máximo em Julho estarei começando uma nova vida bem longe daqui, queria comemorar isso junto com o seu aniversário de 16 anos, mas infelizmente não creio que isso será possível.
Minha querida, me desculpa escrever uma carta tão pequena, mas agora tenho pouco tempo e muitas coisas para fazer, principalmente se eu quiser sair daqui em Julho. Aguardo uma resposta sua, e saiba que eu adoro você.
Beijos e abraços!
Marcos Borges”
...
A luz do dia começava a entrar pelas frestas da janela e rapidamente se arrastava até o rosto de Victor, aquela luz quente e amarela que tornava a visão de dentro das pálpebras adormecidas de Victor um borrão vermelho. O incomodo fez com que o corpo adormecido despertasse, este despertou também a mente e, esta por sua vez, despertou a fome.
Sentia-se fraco, ao tentar se virar para o outro lado, sentiu seu ombro doer e o estômago roncar. De fato estava se convencendo que era a hora de levantar. Victor foi abrindo os olhos lentamente e começou a finalmente ver os detalhes do quarto ao seu redor, o piso era de madeira e bem desgastado, a janela parecia ter sido forçada para fora, pois era completamente empenada, as paredes também de madeira e com buracos espalhados sem ordem e sem lógica. Ao terminar de ver os detalhes mais distantes que não havia percebido na noite em que acordou, Victor sentou-se e voltou a olhar para cama que estava forrada de branco, o lençol que o cobria era azul claro e havia um copo cheio de agua no mesmo lugar, em cima daquela mesinha de madeira e cheia de gavetas do lado da cabeceira da cama de ferro.
Ao perceber o copo cheio de agua, sentiu sua boca seca e impulsivamente pegou o copo e virou para dentro de si. Era como beber agua depois de dias em um deserto, ou pelomenos era assim que Victor se sentia, a agua estava fresca e saiu lavando a boca e toda a garganta, ele pôde inclusive sentir a agua batendo no estômago e a sensação de frescor por todo tórax.
Agora Victor percebia que estava completamente nu, sem roupas, sapatos ou documentos e estava também limpo, no geral, não realmente limpo, mas melhor do que se lembrava. Ora, Victor lembrava claramente que estava bem sujo quando Pedro o encontrou, inclusive, sujo e bem machucado. Lentamente ele percebeu as manchas roxas, dores leves e uma mancha roxa enorme na barriga, esta chamava atenção demais, provavelmente havia algo quebrado ali, ou alguma hemorragia enorme, mas não sabia o porque não sentia dores.
Lentamente os desejos e vontades vieram ao corpo de Victor, uma a uma, enquanto ele se levantava da cama, um misto de desejos e necessidades o invadiram. Sua mente borbulhava de pensamentos instintivos, prazeres, vários tipos de desejos e sensações. Era bom e agonizante, por um instante ele sentiu aliviar-se de uma dessas necessidades momentâneas, assim acordando do transe. Algo quente percorreu suas pernas e escorreu para o chão formando uma poça amarelada, Victor acabava de satisfazer um dos seus desejos, acabava de urinar, em si mesmo.
Novamente percebeu sua fraqueza e escorou nas paredes do pequeno quarto e caminhou de vagar até a porta, nu, molhado e fedorento. Ao chegar a porta, Victor se deparou com um corredor de madeira bem simples, que se estendia primeiramente para sua direita, como olhou, e terminava em um vasculhante, a dois passos dali, cujo deixava alguns raios de sol penetrar e se estender até os pés descalços dele. Ao voltar-se para a esquerda, observou uma porta estreita a menos de um passo na outra parede, estava entreaberta, e o corredor de madeira se estendia para uma escada que descia e depois virava, tornando impossível de se observar mais qualquer coisa alem disto.
Não havia muito barulho alem do estalar da madeira velha e da respiração de Victor que depois de alguns minutos, resolveu andar até o vasculhante. Passo por passo, miúdo e lento, cauteloso e sonolento, estava fraco, tendo se aproximado da janela, se posicionou na ponta dos pés observou algo que nunca imaginaria para aquele momento. Victor se via pela primeira vez em meio a escavações, talvez uma mina. Do alto onde estava, se viam maquinas enormes, escavadeiras, caminhões e pilhas de algum material branco cujo não dava para saber aquela distancia. Ele não se demorou, sentindo-se queimar pelo sol resolveu distanciar-se da pequena janela e ir até a porta estreita que estava entreaberta.
Victor parou em frente a porta e a empurrou lentamente, estava um pouco emperrada e arrastava no chão, mas nada que o próprio peso do braço não pudesse a deslocar. Logo se deparava com um pequeno cômodo cujo era habitado por um vaso sanitário sujo, uma pia pequena com uma pasta rosa parecida com sabonete derretido em sua parte superior a esquerda e um pequeno chuveiro no canto direito, do outro lado do cômodo. Era um banheiro mal feito e improvisado, mas em sua mente borbulhava a idéia de ter água naquele chuveiro esquecido e empoeirado.
Ao escorar a porta novamente, desta vez para fecha-la, percebeu uma toalha e um macacão cinza pendurados atrás dela. Parece que não só Victor queria que ele mesmo tomasse banho. A água demorou a cair e lentamente, junto com o ar que vinha da tubulação, a água que era quente foi esfriando e Victor enfiou-se em baixo dela e a deixou correr por um longo tempo com seus olhos fechados.
...
Sara tinha muitos sonhos, mas ultimamente sua determinação para que eles se realizassem estava ficando escassa. Ela viu nos filmes que as pessoas começavam por baixo e batalhavam muito, mas um dia alguém as notava e as colocavam em lugares de destaque na sociedade. Algo dizia a Sara que aquela carta era um sinal, um sinal de que alguém notara a sua significância.
Depois de tanta hesitação, ela resolveu abaixar-se e pegar aquele envelope curioso e cinza. Não havia nenhuma referencia nele, nem para quem era, nem de quem era, nenhum endereço nem letra, nem numero, apenas um papel cinza, chuviscado, como uma televisão fora do ar. Sara o analisou por mais algum tempo, era intrigante demais.
“O que pode ser isso? Será que é realmente para mim? Não acredito que seja, mas... será que se eu abrir estarei violando a privacidade de uma outra pessoa? Se essa carta for de outra pessoa eu realmente preciso entrega-la, mas e se for para mim mesma? Pode ser um erro não abrir...”
Sara abriu cuidadosamente o envelope, de forma que pudesse o colar novamente se a mensagem não fosse para ela. Sara já tinha visto isso em filmes e não cairia em uma cilada dessas. Retirou de la de dentro com bastante cuidado um papel branco bem dobrado e o abriu lentamente. A cada dobra seu coração palpitava como se estivesse fazendo algo errado, sua respiração ficava ofegante e suas mãos suavam. Por um momento, Sara pensou que não tivesse nada escrito, até desdobrar completamente o papel e encontrar os dizeres:
“Rua dos encontros, número 128, apartamento 512. A chave está no tapete, dentro tem a próxima pista. Desafio-te a não ir.”
quinta-feira, 7 de maio de 2009
Dias Noturnos - Capítulo 2 (Ecos)
Realmente não é muito difícil imaginar o que aconteceu dentro daquela espelunca após a confusão. Estava lá o porcão xingando e gritando com os funcionários para limparem toda aquela sujeira, extorquindo os bêbados imundos que “ajudaram” na briga e é claro...
- Eu não quero ver mais a cara desse desgraçado por aqui! E nem acredito que um covarde como aquele moleque apareça aqui novamente depois de uma surra dessas! - era nojento a forma com que ele falava as coisas, cuspia para todos os lados enquanto movia aqueles lábios gordos e mostrava aqueles dentes podres e sujos de carne. Ora, não era atoa que era conhecido como “o Porco” por toda a redondeza, ele realmente parecia um porco, aquela cara grande e gorda, aquelas roupas sujas de comida e suor, uma barriga que chegava antes dele a qualquer lugar que fosse, aquele odor por onde anda, não é preciso descrever muito para se imaginar de quem se tratava.
Aquele rapaz deu mais trabalho que Sara poderia imaginar, teve que se dividir o dia inteiro entre limpar a espelunca e servir os clientes imundos que pisavam ali. Sim, era mais um dia tão ruim quanto qualquer outro.
...
Victor sentiu-se cochilar em meio a toda aquela dor, quando sentiu algo vibrar em seu bolso, tão transtornado que estava, havia esquecido completamente do seu celular. Lentamente levou a mão ao bolso e, lutando contra as dores, conseguiu atende-lo.
- a .. lo.. - disse Victor se esforçando muito, em um sussurro longo naquela tarde de inverno.
- Victor? Onde você está, cara? Você saiu daqui igual um louco...
- Pe..dro?É você?
- Claro, cara? Não esta reconhecendo minha voz? - dizia Pedro nervoso do outro lado da linha – cara, você está bem?
- Não... não sei.. ai!
- Cara, me diz onde você está! Estou indo te encontrar agora!
- Eu não sei.. eu não sei onde estou, mas é algo com “porco”... “não sei o que do porco”.
- Vila dos Porcos?
- Eu não sei... não sei
- Tá certo, fique aí onde está, estou indo te buscar!
Antes mesmo que Victor desligasse o celular, um garoto passou correndo e arrancou este de suas mãos, e la foi ele correndo sem que Victor pudesse pensar em alcança-lo, apenas o seguiu com os olhos até a próxima esquina. Ótimo, agora ele estava sem dinheiro, arrebentado, perdido e agora sem celular, mas ainda havia uma esperança, a de que seu amigo Pedro o achasse ali, mas de tão otimista, Victor tinha quase a certeza de que estava irreconhecível e que mesmo que estivessem o procurando não o achariam, nem mesmo se falassem com ele, deveria estar irreconhecível.
É de se entender o pessimismo de Victor, mas é claro, sua mente não estava das mais saudáveis depois de tudo que havia acontecido e a cada minuto que passava, sentia-se perder as forças e foi lentamente desfalecendo. A ultima coisa que ouviu antes de desmaiar foi:
- Victor? Oh meu Deus! Vamos, me ajudem a leva-lo...
...
Estava tudo escuro, mas lentamente, bem lentamente, começou a ver formas e em não muito tempo depois percebeu que olhava para um teto escuro que não se parecia em nada com um teto de hospital. Virou-se e percebeu que estava em um quarto, uma mesinha próxima a cabeceira da cama em que estava, um copo d'água em cima dela. A claridade que entrava no quarto vinha de uma porta aberta na direção do pé da cama. Tentou se virar e sentiu a barriga doer, os braços, as pernas e também a cabeça, soltou um gemido longo, mas conseguiu se virar e, lutando contra a inércia, sentou-se na cama. Seus olhos ainda se acostumavam com a claridade enquanto ele se acostumava com as dores pelo corpo. Victor levava o copo a sua boca seca quando ouviu passos, segundos depois uma silhueta humana entrando pela porta.
- Olá, dorminhoco! - Uma voz doce demais para um homem – Achei que não acordaria mais hoje, vou ter que acender a luz... - nesse exato momento a luz invadiu os olhos de Victor e os fez arder bastante e em conjunto sua cabeça também doeu, confuso, ele foi abrindo os olhos lentamente. A luz não era nem um pouco forte, mas para que estava dormindo a um certo tempo, acender a luz incomoda.
- Quem é você? - Disse Victor, tentando se acostumar com a claridade e ver quem entrava no quarto.
- Amiga do Pedro e sua amiga também agora. - Victor teve a certeza de que não era um homem, era uma garota de cabeça raspada, não que não fosse comum, mas a principio assusta um pouco.
- Que lugar é esse? Onde está o Pedro? - disse bem confuso, levando a mão a cabeça. Ela deu um leve sorriso:
- Você faz muitas perguntas, precisa descansar um pouco. Vamos, você teve sorte de não ter quebrado nada, tome isso. - ela o mostrou um comprimido azul, pequeno e oval. Relutante, ele pegou e engoliu com o resto da agua.
Ela sorriu e agachou perto dele – Deite e relaxe mais um pouco. - ele o fez sem mais perguntas. Ela se levantou, andou até a porta e apagou a luz. - Boa noite, Victor! - Foi a ultima coisa que ele viu, logo depois ele teve a sensação de que a cama o engoliu e a voz doce dizendo “boa noite, Victor” durou a noite toda na sua cabeça, ecoando, ecoando...
...
Anoiteceu e a cidade ficou ainda mais fria, Sara recebeu seu miserável salário e partiu para casa. Ela estava no ônibus lembrando de sua família e sua infância, nunca pensou em sentir saudade daquilo tudo e mergulhou em um mar de lembranças...
- Onde está a redação que eu pedi, Sara? - Dizia aquela professora de redação com rosto duro e voz seca, olhando para ela podia-se dizer que era do tipo de pessoa que não tinha marido. Ao mesmo tempo, Sara se encolhia na cadeira, afinal tinha apenas 12 anos e aprendera com seus pais que deveria ser submissa.
- Eu.. e.. eu... eu não fiz, professora Carmem. - E encolhia-se ainda mais na cadeira com o caderno quase encobrindo o rosto enquanto toda a classe começava a rir da situação.
- Como ousa ser tão inútil? - E a cada palavra Sara diminuía-se contra a cadeira ao mesmo tempo que mais risadas soavam e bolinhas de papel voavam pelos ares – Por essa causa proíbo qualquer um de vocês que falem com esta menina, para que não se tornem inútil como ela!
Claro, naquela época Sara não entendia que a professora e o resto da turma a perseguiam e, quando comentou com seus pais, eles ainda concordaram com a professora Carmem, que de pedagogia provavelmente não entendia, porém era diretora do colégio.
Essas lembranças doíam um pouco, mesmo que agora tanto faziam continuarem existindo como serem apagadas. Talvez a única boa lembrança de Sara tenha sido as férias de verão de quando tinha 15 anos, mas quando as coisas começavam a vir em sua mente, Sara despertou de seu transe e quase perdeu o ponto.
Sara adentrava pela 30º vez aquele prédio sujo, a noite estava bem escura e as luzes fluorecentes do prédio estavam fracas como sempre. As mariposas voavam próximo aos focos de luz enquanto Sara esperava o elevador velho descer e pensava se com aquela quantia de dinheiro poderia ter um telefone, a saudade dos monstros da sua infância começava a ficar forte, pois os monstros da sua vida adulta eram muito mais feios.
...
Era quase 10h da noite quando Sara abriu a porta de casa e fez ecoar aquele barulho do ranger da madeira pelo corredor, estava muito escuro la dentro e sua mão escorregou pela parede úmida procurando o interruptor. A luz piscou e estabilizou, logo deu para ver sua pia suja, um pequeno guarda-roupa comido por cupins, dois banquinhos de madeira, o chão de taco, o fogão de duas bocas, a geladeira velha, o colchão marcado pelo corpo no meio da “sala” e é claro a entrada do minúsculo banheiro que não tinha porta nem luz.
Sara deu seu primeiro passo para dentro de casa e sentiu algo diferente sob seu pé, ora ela não morava la a tanto tempo para notar pequenas diferenças, portanto era algo realmente diferente, havia chegado uma correspondência. Ali não se pagava luz, nem agua, apenas o aluguel junto com o condomínio que era destinado para todo o resto e a cobrança era feita através de batidas bem mal-humoradas na porta aos domingos de manhã, talvez isso explicasse o choque de Sara ao receber uma carta.
Ela entrou, passou pela carta, fechou a porta e sentou-se em um daqueles banquinhos posicionando-o próximo a correspondência e ficou a observando por um bom tempo, talvez horas, talvez segundos, mas aquilo agora não fazia diferença, o tempo para ela se passava diferente do resto do mundo.
- Eu não quero ver mais a cara desse desgraçado por aqui! E nem acredito que um covarde como aquele moleque apareça aqui novamente depois de uma surra dessas! - era nojento a forma com que ele falava as coisas, cuspia para todos os lados enquanto movia aqueles lábios gordos e mostrava aqueles dentes podres e sujos de carne. Ora, não era atoa que era conhecido como “o Porco” por toda a redondeza, ele realmente parecia um porco, aquela cara grande e gorda, aquelas roupas sujas de comida e suor, uma barriga que chegava antes dele a qualquer lugar que fosse, aquele odor por onde anda, não é preciso descrever muito para se imaginar de quem se tratava.
Aquele rapaz deu mais trabalho que Sara poderia imaginar, teve que se dividir o dia inteiro entre limpar a espelunca e servir os clientes imundos que pisavam ali. Sim, era mais um dia tão ruim quanto qualquer outro.
...
Victor sentiu-se cochilar em meio a toda aquela dor, quando sentiu algo vibrar em seu bolso, tão transtornado que estava, havia esquecido completamente do seu celular. Lentamente levou a mão ao bolso e, lutando contra as dores, conseguiu atende-lo.
- a .. lo.. - disse Victor se esforçando muito, em um sussurro longo naquela tarde de inverno.
- Victor? Onde você está, cara? Você saiu daqui igual um louco...
- Pe..dro?É você?
- Claro, cara? Não esta reconhecendo minha voz? - dizia Pedro nervoso do outro lado da linha – cara, você está bem?
- Não... não sei.. ai!
- Cara, me diz onde você está! Estou indo te encontrar agora!
- Eu não sei.. eu não sei onde estou, mas é algo com “porco”... “não sei o que do porco”.
- Vila dos Porcos?
- Eu não sei... não sei
- Tá certo, fique aí onde está, estou indo te buscar!
Antes mesmo que Victor desligasse o celular, um garoto passou correndo e arrancou este de suas mãos, e la foi ele correndo sem que Victor pudesse pensar em alcança-lo, apenas o seguiu com os olhos até a próxima esquina. Ótimo, agora ele estava sem dinheiro, arrebentado, perdido e agora sem celular, mas ainda havia uma esperança, a de que seu amigo Pedro o achasse ali, mas de tão otimista, Victor tinha quase a certeza de que estava irreconhecível e que mesmo que estivessem o procurando não o achariam, nem mesmo se falassem com ele, deveria estar irreconhecível.
É de se entender o pessimismo de Victor, mas é claro, sua mente não estava das mais saudáveis depois de tudo que havia acontecido e a cada minuto que passava, sentia-se perder as forças e foi lentamente desfalecendo. A ultima coisa que ouviu antes de desmaiar foi:
- Victor? Oh meu Deus! Vamos, me ajudem a leva-lo...
...
Estava tudo escuro, mas lentamente, bem lentamente, começou a ver formas e em não muito tempo depois percebeu que olhava para um teto escuro que não se parecia em nada com um teto de hospital. Virou-se e percebeu que estava em um quarto, uma mesinha próxima a cabeceira da cama em que estava, um copo d'água em cima dela. A claridade que entrava no quarto vinha de uma porta aberta na direção do pé da cama. Tentou se virar e sentiu a barriga doer, os braços, as pernas e também a cabeça, soltou um gemido longo, mas conseguiu se virar e, lutando contra a inércia, sentou-se na cama. Seus olhos ainda se acostumavam com a claridade enquanto ele se acostumava com as dores pelo corpo. Victor levava o copo a sua boca seca quando ouviu passos, segundos depois uma silhueta humana entrando pela porta.
- Olá, dorminhoco! - Uma voz doce demais para um homem – Achei que não acordaria mais hoje, vou ter que acender a luz... - nesse exato momento a luz invadiu os olhos de Victor e os fez arder bastante e em conjunto sua cabeça também doeu, confuso, ele foi abrindo os olhos lentamente. A luz não era nem um pouco forte, mas para que estava dormindo a um certo tempo, acender a luz incomoda.
- Quem é você? - Disse Victor, tentando se acostumar com a claridade e ver quem entrava no quarto.
- Amiga do Pedro e sua amiga também agora. - Victor teve a certeza de que não era um homem, era uma garota de cabeça raspada, não que não fosse comum, mas a principio assusta um pouco.
- Que lugar é esse? Onde está o Pedro? - disse bem confuso, levando a mão a cabeça. Ela deu um leve sorriso:
- Você faz muitas perguntas, precisa descansar um pouco. Vamos, você teve sorte de não ter quebrado nada, tome isso. - ela o mostrou um comprimido azul, pequeno e oval. Relutante, ele pegou e engoliu com o resto da agua.
Ela sorriu e agachou perto dele – Deite e relaxe mais um pouco. - ele o fez sem mais perguntas. Ela se levantou, andou até a porta e apagou a luz. - Boa noite, Victor! - Foi a ultima coisa que ele viu, logo depois ele teve a sensação de que a cama o engoliu e a voz doce dizendo “boa noite, Victor” durou a noite toda na sua cabeça, ecoando, ecoando...
...
Anoiteceu e a cidade ficou ainda mais fria, Sara recebeu seu miserável salário e partiu para casa. Ela estava no ônibus lembrando de sua família e sua infância, nunca pensou em sentir saudade daquilo tudo e mergulhou em um mar de lembranças...
- Onde está a redação que eu pedi, Sara? - Dizia aquela professora de redação com rosto duro e voz seca, olhando para ela podia-se dizer que era do tipo de pessoa que não tinha marido. Ao mesmo tempo, Sara se encolhia na cadeira, afinal tinha apenas 12 anos e aprendera com seus pais que deveria ser submissa.
- Eu.. e.. eu... eu não fiz, professora Carmem. - E encolhia-se ainda mais na cadeira com o caderno quase encobrindo o rosto enquanto toda a classe começava a rir da situação.
- Como ousa ser tão inútil? - E a cada palavra Sara diminuía-se contra a cadeira ao mesmo tempo que mais risadas soavam e bolinhas de papel voavam pelos ares – Por essa causa proíbo qualquer um de vocês que falem com esta menina, para que não se tornem inútil como ela!
Claro, naquela época Sara não entendia que a professora e o resto da turma a perseguiam e, quando comentou com seus pais, eles ainda concordaram com a professora Carmem, que de pedagogia provavelmente não entendia, porém era diretora do colégio.
Essas lembranças doíam um pouco, mesmo que agora tanto faziam continuarem existindo como serem apagadas. Talvez a única boa lembrança de Sara tenha sido as férias de verão de quando tinha 15 anos, mas quando as coisas começavam a vir em sua mente, Sara despertou de seu transe e quase perdeu o ponto.
Sara adentrava pela 30º vez aquele prédio sujo, a noite estava bem escura e as luzes fluorecentes do prédio estavam fracas como sempre. As mariposas voavam próximo aos focos de luz enquanto Sara esperava o elevador velho descer e pensava se com aquela quantia de dinheiro poderia ter um telefone, a saudade dos monstros da sua infância começava a ficar forte, pois os monstros da sua vida adulta eram muito mais feios.
...
Era quase 10h da noite quando Sara abriu a porta de casa e fez ecoar aquele barulho do ranger da madeira pelo corredor, estava muito escuro la dentro e sua mão escorregou pela parede úmida procurando o interruptor. A luz piscou e estabilizou, logo deu para ver sua pia suja, um pequeno guarda-roupa comido por cupins, dois banquinhos de madeira, o chão de taco, o fogão de duas bocas, a geladeira velha, o colchão marcado pelo corpo no meio da “sala” e é claro a entrada do minúsculo banheiro que não tinha porta nem luz.
Sara deu seu primeiro passo para dentro de casa e sentiu algo diferente sob seu pé, ora ela não morava la a tanto tempo para notar pequenas diferenças, portanto era algo realmente diferente, havia chegado uma correspondência. Ali não se pagava luz, nem agua, apenas o aluguel junto com o condomínio que era destinado para todo o resto e a cobrança era feita através de batidas bem mal-humoradas na porta aos domingos de manhã, talvez isso explicasse o choque de Sara ao receber uma carta.
Ela entrou, passou pela carta, fechou a porta e sentou-se em um daqueles banquinhos posicionando-o próximo a correspondência e ficou a observando por um bom tempo, talvez horas, talvez segundos, mas aquilo agora não fazia diferença, o tempo para ela se passava diferente do resto do mundo.
terça-feira, 5 de maio de 2009
A Canção do Velho
Nos primeiros momentos era possível ignorar e não dar valor aquele senhor que de tão barbudo e sujo parecia um mendigo. Seu bandolim surrado em seu colo e um chapéu jogado no chão trazia uma imagem pobre, mas apenas para aqueles que só o viram. Dos que ouviram as notas e palavras do velho, nenhum voltou a viver como antes, suas mentes mudaram e, por causa deles, hoje em dia aquela memória ainda existe.
As notas reverberavam dissonantes enquanto aquele senhor recitava algum tipo de melancolia, seus versos contavam lendas antigas e tristes e suas mãos movimentavam-se de forma pesada naquele bandolim. Seu semblante era abatido como as dores que emanavam daquela canção esquecida, era possível sentir gosto de sangue enquanto as notas se tornavam mais agudas, era como se o peso de todo o mundo caísse sobre a cabeça de todos que estavam ali.
As arvores também entoavam sua musica como se também fizessem parte dela, as águas do rio moviam-se e se agitadas e os animais silvestres se perturbavam a cada tom. Era perceptível a qualquer um, mesmo sendo insensível, que aquela não era uma canção comum e que todos os que estavam ali a ouvindo faziam parte dela e, se jovens demais, ainda fariam parte dela.
A carga daquelas notas levaram todos a exaustão e o senhor abatido terminou de contar tudo do passado e do futuro que sabia para aqueles escolhidos, que não sabiam como estavam ali e nem quem era aquele velho. Ao amanhecer a floresta adormeceu, o canto dos pássaros emudeceu e o senhor da mesma forma que chegou, desapareceu.
Então os que presenciaram esse momento souberam que este fora único e secreto.
As notas reverberavam dissonantes enquanto aquele senhor recitava algum tipo de melancolia, seus versos contavam lendas antigas e tristes e suas mãos movimentavam-se de forma pesada naquele bandolim. Seu semblante era abatido como as dores que emanavam daquela canção esquecida, era possível sentir gosto de sangue enquanto as notas se tornavam mais agudas, era como se o peso de todo o mundo caísse sobre a cabeça de todos que estavam ali.
As arvores também entoavam sua musica como se também fizessem parte dela, as águas do rio moviam-se e se agitadas e os animais silvestres se perturbavam a cada tom. Era perceptível a qualquer um, mesmo sendo insensível, que aquela não era uma canção comum e que todos os que estavam ali a ouvindo faziam parte dela e, se jovens demais, ainda fariam parte dela.
A carga daquelas notas levaram todos a exaustão e o senhor abatido terminou de contar tudo do passado e do futuro que sabia para aqueles escolhidos, que não sabiam como estavam ali e nem quem era aquele velho. Ao amanhecer a floresta adormeceu, o canto dos pássaros emudeceu e o senhor da mesma forma que chegou, desapareceu.
Então os que presenciaram esse momento souberam que este fora único e secreto.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Dias Noturnos - Capítulo 1 (A Primeira Queda)
Eram tempos difíceis, ele frustrado, sem dinheiro e correndo risco de perder o emprego, ela longe da família encarando solidão, angustias e nostalgias. Antes a casa era cheia, agora é só ela e os poucos móveis.
Era assim, o inverno castigava a cidade, aquela chuva fina, por um momento era possível pensar que não havia mais uma viva alma naquela metrópole, mas o pensamento era interrompido pela próxima buzina. Os gatos namorando no telhado, o barulho dos carros passando nas poças d'água, nem parecia aquela rua tão movimentada de horas atrás, aquela rua engarrafada, cheia de pequenos e grandes veículos enfileirados em uma tortura barulhenta, agora passavam bem rápidos e espaçados, podia-se dizer olhando pela janela que durante uns segundos ficava-se diante de um deserto urbano.
Os dois sofriam calados, estavam cansados de procurar, cansados de se iludir, cansados daquele ano que mal havia chegado a metade e talvez fosse melhor nem ter começado. Eram as primeiras horas daquela quarta-feira quando ela se lembrou que deveria dormir e quando ele começou a trabalhar, estavam cansados de pensar, ela tomou um tarja preta e ele um café amargo e sentou no computador e assim terminava aquela noite, que seria mal dormida para ela e perdida para ele.
...
- Ah não! - Ela acordou e deu um tapa no despertador, aquele barulho irritante a acordou subitamente e ainda estava ecoando na sua cabeça. Quando ele parou de apitar ela olhou novamente, 5:30h da manhã. A contragosto se levantou, agradeceu mais uma vez por estar viva e abriu a cortina.
O sol novamente não quis aparecer, a manhã estava cinza e cheia de nuvens e ainda bem escura. Ela andou até a cozinha colocou a água no fogo e foi para o banho, ainda sonolenta deixou que a agua morna a acordasse. Estava frio e o vapor de agua quente foi esfriando, esfriando e ela se enrolou na toalha antes que estivesse toda arrepiada, se vestiu rápido e correu para a cozinha para apagar o fogo da água que estava fervendo.
Quando se tem um sonho, não se deve abandona-lo por ser difícil de conquistar, ou por ser absurdo, ou porque você vai morrer tentando. Pelomenos era isso que Sara tentava colocar na sua cabeça todos os dias, e percebia que enquanto fazia isso o café esfriava e ficava insuportável. Quando você mora em um quitinete fedorento, com o encanamento todo estourado, paredes escuras, em um lugar feio e perigoso da cidade, um emprego de merda e um salário pior ainda, fica difícil sonhar com algo melhor. Mas acredite, Sara conseguia fazê-lo, ainda assim sabendo que tudo poderia piorar.
Estava a um mês naquela situação, acordava de madrugada, pegava um ônibus lotado, uma hora e meia de engarrafamento, enfrentava umas louças sujas e fedorentas na Vila dos Porcos e um patrão feio, gordo e ignorante durante o dia inteiro. Sem receber hora extra ou qualquer tipo de outro beneficio alem do pior almoço que já comera na vida. As 20h largava aquela espelunca e voltava para o seu lar, se é que aquele quitinete poderia ser chamado de alguma coisa alem de muquifo.
Nessa altura da sua horrorosa estadia na metrópole, Sara não conseguiria dizer se o que estava vivendo era positivo ou não, a um mês atrás, em sua pequena cidade, muito longe de lá, em sua casa ampla, junto aos seus pais opressores e conservadores e nada compreensivos, ela achava que acabava de comprar sua liberdade, sua independência. Sara só sabia que não havia feito a melhor troca do mundo, mesmo que seus pais fossem chatos, fechados e nada flexíveis, ela percebia agora que estava vivendo em um regime ditatorial completamente diferente dos seus pais, que mesmo todos os adjetivos anteriores não a fariam mal, nada alem de uns tapas, umas broncas e um casamento arranjado. Agora ela realmente poderia pensar em viver pesadelos, e nem sonhar em voltar para casa dos pais, seria inaceitável para eles que sua filha voltasse para casa com a mão na frente e outra atrás, seria como pedir para que eles a expulsassem de casa e definitivamente.
Naquele ônibus lotado, Sara só tinha uma certeza, a escolha que ela fez era definitiva e não importava mais se era melhor ou não, só restava sonhar e agir. O ponto chegou, ela foi empurrada para fora, sentiu aquela fria garoa de Julho tocar seus cabelos e ombros, e como nada é da melhor forma possível a chuva aumentou, ela e uma multidão de pessoas correram para as marquises se abrigar daquela chuva horrorosa e de pingos escuros. Você já deve ter sentido cheiro podre na água, em rios, no mar, mas e na chuva? Sara e uma multidão de pessoas na Vila do Porco estavam no meio de uma chuva tóxica, poluída, fétida e nojenta.
Para a sorte das pessoas pobres e sujas que vagavam pela Vila dos Porcos a chuva passou em poucos e longos minutos. Logo as pessoas voltavam a andar entre a feira, ruas esburacadas, carros velhos, mendigos e cães doentes e cheios de feridas, lixo, bichos nojentos, como baratas e ratos imundos, e por que não? Água da chuva. Ora, ninguém saía mais de casa sem uma bota impermeável e uma boa capa de chuva, ou pelomenos, a melhor que se poderia comprar.
E pela 30ª vez, ela entrava por aquela porta escura, o vento frio e molhado ficara do lado de fora, e Sara era agora envolvida por um bafo quente, seria até confortável se o cheiro que acompanhasse o bafo quente não fosse o de carne estragada e nem a primeira visão que ela tivesse fosse a cara carrancuda, gorda e suja do “porco rei”, seu chefe.
- Está atrasada, vadia! - Era a forma mais carinhosa que ele havia dado “bom dia” desde o primeiro dia de trabalho. É estranho, mas quando esse é o único lugar que aceitam sua mão de obra alem de casas de prostituição, você acaba se acostumando. Pelomenos o porco xingava, mas não batia, era mais uma coisa a se considerar.
E lentamente o dia se passou até a hora do almoço, louça após louça, elogios e cantadas sujas dos melhores clientes daquela espelunca, um dia normal para seus novos padrões de vida.
...
Para pessoas solitárias e que tinham um certo nível social, a internet era uma companhia, e era exatamente onde ele estava naquela madrugada fria, após terminar um maldito relatório. Uma tela cheia de letrinhas e imagens coloridas, pessoas que parecem reais, realidades falsas e todas as regalias de mentes solitárias que gostam de imaginar algo melhor. Mesmo rodeado de toda aquela informação, Victor não sonhava como Sara, toda vez que parava pra pensar se deprimia, então, se refugiava no mundo virtual, perdendo noites e mais noites procurando sonhos alheios, pois não suportava a idéia de que seu sonho era impossível.
E assim, como todas as noites, sem perceber adormecera sobre o teclado. Horas se passaram, mas quando o telefone tocou pareciam apenas poucos segundos, o sono era tão profundo que Victor não se recordava de nenhum sonho, na verdade ele não se lembrava de nenhum sonho, talvez não sonhasse a meses. Próximo ao 5º toque, Victor colocou o estridente telefone no ouvido.
- ... alo... – disse Victor completamente sonolento.
- Victor? Onde você anda com a cabeça?
- Pedro? O que que houve?
- Acorda, cara! Não vou cuidar de você a vida toda, o chefe está louco atrás de você! Vem pra cá agora!
As palavras de Pedro ecoaram em sua cabeça, dez, vinte vezes, parecia um sonho. Talvez esse fosse o desejo de Victor, que quando percebeu que não era um sonho não teve muito tempo para se lamentar. Correu até o carro, sem nem perceber como estava vestido, por sorte ou azar estava com a roupa de ontem e corria desesperado pelos inúmeros atalhos e ruas estreitas até o trabalho bem no centro da cidade. Não no centro majestoso, quase bonito e cinza da cidade, mas próximo a ele, na área norte, onde os prédios não são tão altos nem tão bonitos, onde um dia distante fora o real centro da cidade, mas agora não passava da área mais barata.
Duas quadras antes do prédio, Victor perdeu o controle do carro, rodou e bateu de frente no poste do outro lado da rua, no sentido contrario do que deveria ir naquele cruzamento. Pronto, realmente tudo pode ficar pior. Sem pensar muito, ainda cambaleando, Victor pegou suas coisas e partiu para o maldito prédio. Mesmo mancando e se sentindo sem ar, ele corria. Atravessou a rua, quase foi atropelado duas vezes e chegou ofegante e sujo ao grande Edifício Cina. 10 andares de paredes sujas, elevadores em péssimo estado, pessoas patéticas, câmeras velhas e recepcionistas que sempre perguntavam seu nome mesmo o vendo todos os dias de todas aquelas infernais semanas durante mais de um ano.
Alguma vez você já passou por uma situação como essa? Imagine todas as pessoas a sua volta te olhando com nojo ou pena. Pois bem, é exatamente o que Victor estava passando. Sentia-se feder, suar, cambalear e acima de tudo sentia muita vergonha, se sentia um completo idiota e no seu rosto estava estampado o que iria acontecer em um futuro bem próximo.
Victor avistou Pedro vindo em sua direção no momento em que tropeçava no tapete no cruzamento dos corredores das divisórias. É exatamente isso, Victor descobriu que odiava cruzamentos, sejam eles quais forem. Seu peso derrubou uma divisória inteira, uma mesa e dois computadores. Sem forças para levantar, ele ficou onde estava e logo uma rodinha de engravatados estava de pé diante dele. Minutos depois as vozes se confundiam na sua cabeça e uma mão o ajudou a levantar, era Pedro, talvez seu único amigo em toda sua vida. Mal pode ficar de pé quando o ...
- Victor Brahms, seu estúpido! Eu não quero arriscar todo meu departamento por sua causa mais uma vez, olha o que você fez! Inútil e burro, é isso que você é! Está demitido! D-E-M-I-T-I-D-O! - aquelas palavras continuaram reverberando em sua cabeça, ele estava completamente sem forças para contra-atacar todas aquelas afrontas e nem conseguiria explicar o motivo de todo o estrago. Mas Victor estava certo de que agora, estava vivendo um pesadelo. Enquanto ele cambaleava para a porta do elevador o chefe gordo esbravejava, xingava e agredia o tempo todo, mas Victor não o ouvia mais, estava perdido dentro de si mesmo.
Ele começou a vagar pelas ruas e por seus pensamentos, se sentia realmente inútil, incompetente e covarde. Covarde por aceitar todas as imposições daquele chefe egoísta e megalomaníaco, incompetente por não conseguir executar as coisas como se propunha a fazer e por ultimo, inútil, agora ele sentia que não poderia fazer nada para mudar a sua situação nada confortável. Sem carro, sem emprego e futuramente sem dinheiro. Victor queria sumir, desaparecer, e sem perceber ele estava fazendo isso, cada vez entrava mais fundo no cinza escuro do subúrbio da cidade.
Já passara do meio-dia quando Victor percebeu que a ultima vez que ingeriu alguma coisa foi na madrugada anterior e mesmo assim, uma xícara de café. A fome despertou a mente de Victor daquele pesadelo acordado e ele se viu em um lugar completamente estranho, não sabia como havia chegado ali, mas já que se encontrava lá e com fome, examinou seus bolsos, achou uns trocados que talvez dessem para um lanche e caminhou para uma birosca (ou algo parecido) chamada “Pé de Porco”.
...
Sara estava terminando seu almoço, aquela papa rançosa e marrom-escura que ela tinha que comer todo dia se não quisesse passar fome. Nos primeiros dias a cada colherada ela quase vomitava, agora era como se não sentisse mais gosto, acostumou-se aquele amargo, rançoso e fedorento mingau. Mas isso não era privilegio dela, todos ali comiam a mesma coisa. O João, garçom que ajudava Sara, a cozinheira Beth e até mesmo alguns clientes.
Ao se levantar do balcão, Sara viu um homem cambaleando entrar pela porta, todo sujo da agua da chuva, olheiras enormes, cabelo desgrenhado e um olhar distante. Cabelos pretos, olhos escuros, roupa social (ou pelomenos um dia foi uma roupa social), dava para ver que a blusa tinha sido azul e a calça preta, trazia um óculos quebrado na face e uma expressão cansada, apesar de um rosto tão novo. Este foi cambaleando até o balcão, sentou-se em um daqueles bancos, debruçou sobre o balcão e tentou dizer algo.
- ... ca.. por favor... - sentia-se tremer, bateu no balcão e disse alto – UM CAFÉ!!! - e logo após jogou uns trocados embolados no balcão e disse mais – E algo comestível! Com isso! - qualquer um poderia perceber que se tratava de um rapaz consternado. Logo Sara veio ao seu auxilio.
Quando Victor se deparou com aquela moça de cabelos mal-tratados, roupas também sujas e olhos tristes com uma xícara de café em suas mãos ele desatou a chorar e escondeu seu rosto em seus braços.
Sara sem saber muito o que fazer, deixou o café do moço sobre o balcão, próximo a ele e foi pegar um pão para o homem, que mesmo agressivo e estranho, ela poderia dizer que seria o melhor cliente que entrara ali nos últimos 30 dias. Ao se aproximar com o lanche:
- Está tudo bem com você? - ela pensava em tocar o seu braço quando o rapaz levantou enxugando as lágrimas.
- Não, mas obrigado – ele não a encarava e estava extremamente sério, se antes seu sonho era impossível, agora ele havia o abandonado completamente, seu novo sonho era conseguir sobreviver naquela selva, seria muito pior que uma ovelha dentro de uma matilha. Victor nunca havia sequer brincado na rua quando era criança, cresceu dentro de um apartamento jogando video-games, vendo filmes e telejornais que diziam o suficiente para ele nunca encarar as ruas. Mas ali estava ele, sem alternativas, perdido, sem dinheiro e sem saber o caminho de casa.
Enquanto Victor estava perdido em seus pensamentos, Sara estava perdida em suas louças dentro da cozinha imunda do Pé de Porco, quando Beth chegou.
- Você viu o rapaz estranho sentado no balcão?
- Vi sim, Beth. E por mais estranho que pareça foi o cliente que melhor me tratou desde que eu entrei aqui.
Elas não trocaram muitas palavras quando ouviram uma gritaria e barulho de copos, cadeiras e pratos quebrando. Não foi difícil saber o que havia acontecido, o Porco destratou o rapaz chorão e eles começaram uma briga que logo todos os bêbados imundos aderiram, em poucos segundos Victor estava com a cara toda estourada, manchas roxas por todo corpo e do lado de fora do Pé de Porco, naquele chão imundo e com aquela fina garoa gelada tocando-lhe a face ensangüentada.
Antes mesmo de imaginar como seria aquela vida de cão, Victor já estava experimentando dela. Talvez tenha sido melhor assim, pelomenos ele agora estava remoendo os socos e os pontapés em vez da sua nova e mais ainda amarga vida pelas ruas daquela grande metrópole.
Era assim, o inverno castigava a cidade, aquela chuva fina, por um momento era possível pensar que não havia mais uma viva alma naquela metrópole, mas o pensamento era interrompido pela próxima buzina. Os gatos namorando no telhado, o barulho dos carros passando nas poças d'água, nem parecia aquela rua tão movimentada de horas atrás, aquela rua engarrafada, cheia de pequenos e grandes veículos enfileirados em uma tortura barulhenta, agora passavam bem rápidos e espaçados, podia-se dizer olhando pela janela que durante uns segundos ficava-se diante de um deserto urbano.
Os dois sofriam calados, estavam cansados de procurar, cansados de se iludir, cansados daquele ano que mal havia chegado a metade e talvez fosse melhor nem ter começado. Eram as primeiras horas daquela quarta-feira quando ela se lembrou que deveria dormir e quando ele começou a trabalhar, estavam cansados de pensar, ela tomou um tarja preta e ele um café amargo e sentou no computador e assim terminava aquela noite, que seria mal dormida para ela e perdida para ele.
...
- Ah não! - Ela acordou e deu um tapa no despertador, aquele barulho irritante a acordou subitamente e ainda estava ecoando na sua cabeça. Quando ele parou de apitar ela olhou novamente, 5:30h da manhã. A contragosto se levantou, agradeceu mais uma vez por estar viva e abriu a cortina.
O sol novamente não quis aparecer, a manhã estava cinza e cheia de nuvens e ainda bem escura. Ela andou até a cozinha colocou a água no fogo e foi para o banho, ainda sonolenta deixou que a agua morna a acordasse. Estava frio e o vapor de agua quente foi esfriando, esfriando e ela se enrolou na toalha antes que estivesse toda arrepiada, se vestiu rápido e correu para a cozinha para apagar o fogo da água que estava fervendo.
Quando se tem um sonho, não se deve abandona-lo por ser difícil de conquistar, ou por ser absurdo, ou porque você vai morrer tentando. Pelomenos era isso que Sara tentava colocar na sua cabeça todos os dias, e percebia que enquanto fazia isso o café esfriava e ficava insuportável. Quando você mora em um quitinete fedorento, com o encanamento todo estourado, paredes escuras, em um lugar feio e perigoso da cidade, um emprego de merda e um salário pior ainda, fica difícil sonhar com algo melhor. Mas acredite, Sara conseguia fazê-lo, ainda assim sabendo que tudo poderia piorar.
Estava a um mês naquela situação, acordava de madrugada, pegava um ônibus lotado, uma hora e meia de engarrafamento, enfrentava umas louças sujas e fedorentas na Vila dos Porcos e um patrão feio, gordo e ignorante durante o dia inteiro. Sem receber hora extra ou qualquer tipo de outro beneficio alem do pior almoço que já comera na vida. As 20h largava aquela espelunca e voltava para o seu lar, se é que aquele quitinete poderia ser chamado de alguma coisa alem de muquifo.
Nessa altura da sua horrorosa estadia na metrópole, Sara não conseguiria dizer se o que estava vivendo era positivo ou não, a um mês atrás, em sua pequena cidade, muito longe de lá, em sua casa ampla, junto aos seus pais opressores e conservadores e nada compreensivos, ela achava que acabava de comprar sua liberdade, sua independência. Sara só sabia que não havia feito a melhor troca do mundo, mesmo que seus pais fossem chatos, fechados e nada flexíveis, ela percebia agora que estava vivendo em um regime ditatorial completamente diferente dos seus pais, que mesmo todos os adjetivos anteriores não a fariam mal, nada alem de uns tapas, umas broncas e um casamento arranjado. Agora ela realmente poderia pensar em viver pesadelos, e nem sonhar em voltar para casa dos pais, seria inaceitável para eles que sua filha voltasse para casa com a mão na frente e outra atrás, seria como pedir para que eles a expulsassem de casa e definitivamente.
Naquele ônibus lotado, Sara só tinha uma certeza, a escolha que ela fez era definitiva e não importava mais se era melhor ou não, só restava sonhar e agir. O ponto chegou, ela foi empurrada para fora, sentiu aquela fria garoa de Julho tocar seus cabelos e ombros, e como nada é da melhor forma possível a chuva aumentou, ela e uma multidão de pessoas correram para as marquises se abrigar daquela chuva horrorosa e de pingos escuros. Você já deve ter sentido cheiro podre na água, em rios, no mar, mas e na chuva? Sara e uma multidão de pessoas na Vila do Porco estavam no meio de uma chuva tóxica, poluída, fétida e nojenta.
Para a sorte das pessoas pobres e sujas que vagavam pela Vila dos Porcos a chuva passou em poucos e longos minutos. Logo as pessoas voltavam a andar entre a feira, ruas esburacadas, carros velhos, mendigos e cães doentes e cheios de feridas, lixo, bichos nojentos, como baratas e ratos imundos, e por que não? Água da chuva. Ora, ninguém saía mais de casa sem uma bota impermeável e uma boa capa de chuva, ou pelomenos, a melhor que se poderia comprar.
E pela 30ª vez, ela entrava por aquela porta escura, o vento frio e molhado ficara do lado de fora, e Sara era agora envolvida por um bafo quente, seria até confortável se o cheiro que acompanhasse o bafo quente não fosse o de carne estragada e nem a primeira visão que ela tivesse fosse a cara carrancuda, gorda e suja do “porco rei”, seu chefe.
- Está atrasada, vadia! - Era a forma mais carinhosa que ele havia dado “bom dia” desde o primeiro dia de trabalho. É estranho, mas quando esse é o único lugar que aceitam sua mão de obra alem de casas de prostituição, você acaba se acostumando. Pelomenos o porco xingava, mas não batia, era mais uma coisa a se considerar.
E lentamente o dia se passou até a hora do almoço, louça após louça, elogios e cantadas sujas dos melhores clientes daquela espelunca, um dia normal para seus novos padrões de vida.
...
Para pessoas solitárias e que tinham um certo nível social, a internet era uma companhia, e era exatamente onde ele estava naquela madrugada fria, após terminar um maldito relatório. Uma tela cheia de letrinhas e imagens coloridas, pessoas que parecem reais, realidades falsas e todas as regalias de mentes solitárias que gostam de imaginar algo melhor. Mesmo rodeado de toda aquela informação, Victor não sonhava como Sara, toda vez que parava pra pensar se deprimia, então, se refugiava no mundo virtual, perdendo noites e mais noites procurando sonhos alheios, pois não suportava a idéia de que seu sonho era impossível.
E assim, como todas as noites, sem perceber adormecera sobre o teclado. Horas se passaram, mas quando o telefone tocou pareciam apenas poucos segundos, o sono era tão profundo que Victor não se recordava de nenhum sonho, na verdade ele não se lembrava de nenhum sonho, talvez não sonhasse a meses. Próximo ao 5º toque, Victor colocou o estridente telefone no ouvido.
- ... alo... – disse Victor completamente sonolento.
- Victor? Onde você anda com a cabeça?
- Pedro? O que que houve?
- Acorda, cara! Não vou cuidar de você a vida toda, o chefe está louco atrás de você! Vem pra cá agora!
As palavras de Pedro ecoaram em sua cabeça, dez, vinte vezes, parecia um sonho. Talvez esse fosse o desejo de Victor, que quando percebeu que não era um sonho não teve muito tempo para se lamentar. Correu até o carro, sem nem perceber como estava vestido, por sorte ou azar estava com a roupa de ontem e corria desesperado pelos inúmeros atalhos e ruas estreitas até o trabalho bem no centro da cidade. Não no centro majestoso, quase bonito e cinza da cidade, mas próximo a ele, na área norte, onde os prédios não são tão altos nem tão bonitos, onde um dia distante fora o real centro da cidade, mas agora não passava da área mais barata.
Duas quadras antes do prédio, Victor perdeu o controle do carro, rodou e bateu de frente no poste do outro lado da rua, no sentido contrario do que deveria ir naquele cruzamento. Pronto, realmente tudo pode ficar pior. Sem pensar muito, ainda cambaleando, Victor pegou suas coisas e partiu para o maldito prédio. Mesmo mancando e se sentindo sem ar, ele corria. Atravessou a rua, quase foi atropelado duas vezes e chegou ofegante e sujo ao grande Edifício Cina. 10 andares de paredes sujas, elevadores em péssimo estado, pessoas patéticas, câmeras velhas e recepcionistas que sempre perguntavam seu nome mesmo o vendo todos os dias de todas aquelas infernais semanas durante mais de um ano.
Alguma vez você já passou por uma situação como essa? Imagine todas as pessoas a sua volta te olhando com nojo ou pena. Pois bem, é exatamente o que Victor estava passando. Sentia-se feder, suar, cambalear e acima de tudo sentia muita vergonha, se sentia um completo idiota e no seu rosto estava estampado o que iria acontecer em um futuro bem próximo.
Victor avistou Pedro vindo em sua direção no momento em que tropeçava no tapete no cruzamento dos corredores das divisórias. É exatamente isso, Victor descobriu que odiava cruzamentos, sejam eles quais forem. Seu peso derrubou uma divisória inteira, uma mesa e dois computadores. Sem forças para levantar, ele ficou onde estava e logo uma rodinha de engravatados estava de pé diante dele. Minutos depois as vozes se confundiam na sua cabeça e uma mão o ajudou a levantar, era Pedro, talvez seu único amigo em toda sua vida. Mal pode ficar de pé quando o ...
- Victor Brahms, seu estúpido! Eu não quero arriscar todo meu departamento por sua causa mais uma vez, olha o que você fez! Inútil e burro, é isso que você é! Está demitido! D-E-M-I-T-I-D-O! - aquelas palavras continuaram reverberando em sua cabeça, ele estava completamente sem forças para contra-atacar todas aquelas afrontas e nem conseguiria explicar o motivo de todo o estrago. Mas Victor estava certo de que agora, estava vivendo um pesadelo. Enquanto ele cambaleava para a porta do elevador o chefe gordo esbravejava, xingava e agredia o tempo todo, mas Victor não o ouvia mais, estava perdido dentro de si mesmo.
Ele começou a vagar pelas ruas e por seus pensamentos, se sentia realmente inútil, incompetente e covarde. Covarde por aceitar todas as imposições daquele chefe egoísta e megalomaníaco, incompetente por não conseguir executar as coisas como se propunha a fazer e por ultimo, inútil, agora ele sentia que não poderia fazer nada para mudar a sua situação nada confortável. Sem carro, sem emprego e futuramente sem dinheiro. Victor queria sumir, desaparecer, e sem perceber ele estava fazendo isso, cada vez entrava mais fundo no cinza escuro do subúrbio da cidade.
Já passara do meio-dia quando Victor percebeu que a ultima vez que ingeriu alguma coisa foi na madrugada anterior e mesmo assim, uma xícara de café. A fome despertou a mente de Victor daquele pesadelo acordado e ele se viu em um lugar completamente estranho, não sabia como havia chegado ali, mas já que se encontrava lá e com fome, examinou seus bolsos, achou uns trocados que talvez dessem para um lanche e caminhou para uma birosca (ou algo parecido) chamada “Pé de Porco”.
...
Sara estava terminando seu almoço, aquela papa rançosa e marrom-escura que ela tinha que comer todo dia se não quisesse passar fome. Nos primeiros dias a cada colherada ela quase vomitava, agora era como se não sentisse mais gosto, acostumou-se aquele amargo, rançoso e fedorento mingau. Mas isso não era privilegio dela, todos ali comiam a mesma coisa. O João, garçom que ajudava Sara, a cozinheira Beth e até mesmo alguns clientes.
Ao se levantar do balcão, Sara viu um homem cambaleando entrar pela porta, todo sujo da agua da chuva, olheiras enormes, cabelo desgrenhado e um olhar distante. Cabelos pretos, olhos escuros, roupa social (ou pelomenos um dia foi uma roupa social), dava para ver que a blusa tinha sido azul e a calça preta, trazia um óculos quebrado na face e uma expressão cansada, apesar de um rosto tão novo. Este foi cambaleando até o balcão, sentou-se em um daqueles bancos, debruçou sobre o balcão e tentou dizer algo.
- ... ca.. por favor... - sentia-se tremer, bateu no balcão e disse alto – UM CAFÉ!!! - e logo após jogou uns trocados embolados no balcão e disse mais – E algo comestível! Com isso! - qualquer um poderia perceber que se tratava de um rapaz consternado. Logo Sara veio ao seu auxilio.
Quando Victor se deparou com aquela moça de cabelos mal-tratados, roupas também sujas e olhos tristes com uma xícara de café em suas mãos ele desatou a chorar e escondeu seu rosto em seus braços.
Sara sem saber muito o que fazer, deixou o café do moço sobre o balcão, próximo a ele e foi pegar um pão para o homem, que mesmo agressivo e estranho, ela poderia dizer que seria o melhor cliente que entrara ali nos últimos 30 dias. Ao se aproximar com o lanche:
- Está tudo bem com você? - ela pensava em tocar o seu braço quando o rapaz levantou enxugando as lágrimas.
- Não, mas obrigado – ele não a encarava e estava extremamente sério, se antes seu sonho era impossível, agora ele havia o abandonado completamente, seu novo sonho era conseguir sobreviver naquela selva, seria muito pior que uma ovelha dentro de uma matilha. Victor nunca havia sequer brincado na rua quando era criança, cresceu dentro de um apartamento jogando video-games, vendo filmes e telejornais que diziam o suficiente para ele nunca encarar as ruas. Mas ali estava ele, sem alternativas, perdido, sem dinheiro e sem saber o caminho de casa.
Enquanto Victor estava perdido em seus pensamentos, Sara estava perdida em suas louças dentro da cozinha imunda do Pé de Porco, quando Beth chegou.
- Você viu o rapaz estranho sentado no balcão?
- Vi sim, Beth. E por mais estranho que pareça foi o cliente que melhor me tratou desde que eu entrei aqui.
Elas não trocaram muitas palavras quando ouviram uma gritaria e barulho de copos, cadeiras e pratos quebrando. Não foi difícil saber o que havia acontecido, o Porco destratou o rapaz chorão e eles começaram uma briga que logo todos os bêbados imundos aderiram, em poucos segundos Victor estava com a cara toda estourada, manchas roxas por todo corpo e do lado de fora do Pé de Porco, naquele chão imundo e com aquela fina garoa gelada tocando-lhe a face ensangüentada.
Antes mesmo de imaginar como seria aquela vida de cão, Victor já estava experimentando dela. Talvez tenha sido melhor assim, pelomenos ele agora estava remoendo os socos e os pontapés em vez da sua nova e mais ainda amarga vida pelas ruas daquela grande metrópole.
Dando Inicio
De inicio gostaria de dizer a todos que esse blog é para publicar meus textos, contos e devaneios literários, já que colocar isso em meu blog pessoal faria-o perder o sentido, pois eu desabafo lá, apesar de já ter escrito alguns textos de ficção e postado naquele blog eu não quis fazer disso uma rotina.
Estou também protegendo minhas pequenas e modestas obras postadas aqui, mesmo que não sejam boas, eu realmente pensei para faze-las e não gostaria que as copiassem nem as usassem sem me dar os devidos créditos. Ficarei muito triste e revoltada se isso acontecer.
No mais, observem os marcadores, eles serão bem úteis na busca de textos e tudo mais.
Saúde e paz!
Divirtam-se!
Estou também protegendo minhas pequenas e modestas obras postadas aqui, mesmo que não sejam boas, eu realmente pensei para faze-las e não gostaria que as copiassem nem as usassem sem me dar os devidos créditos. Ficarei muito triste e revoltada se isso acontecer.
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