domingo, 19 de dezembro de 2010

Demônios

Ele segurava seus joelhos com força sentado ali apoiado na cabeceira da cama. Ele sabe que não pode gritar, pois se acordar seus pais a punição será severa. Ele apóia a cabeça nos joelhos e fecha os olhos com força. Ele segura seu pequeno crucifixo na mão direita e pede aos céus que o proteja. Mas ele tem medo.
Ali no escuro e no silêncio ele se sente sozinho. Ele abre os olhos, ou imagina que os abriu, não saberia dizer, e olha pelo canto do olho. Ele sabe que estão ali, aqueles olhos a fitá-lo com escárnio, zombando do seu medo. Ele tenta se mover o mínimo possível, ele aperta o pequeno crucifixo em sua mão e volta a fechar os olhos. Então ele pode ouvir o barulho embaixo da cama. A sua cama treme de leve e por um instante ele imagina que a cama vai levitar. Ele olha para a janela e pela pequena fresta o vento entra e balança a cortina, que se move sinistramente. Em cada vinda da cortina ele se pergunta se aquilo que vê seria um rosto o observando. Sim, ele quase pode ver aqueles olhos grandes, inexpressivos, espreitando. A porta de seu armário se move lentamente, fazendo soar um leve ranger que parece durar minutos. Tudo parece ganhar vida naquele quarto, e ele quer acreditar que é o vento. Ele tem a impressão que luzes piscam no seu quarto, mas ele não saberia dizer de onde vem. Ele começa a rezar, mas quando ele faz isso parece que tudo se intensifica ali: o farfalhar da cortina, a tremida da cama, as luzes que piscam, o ranger da porta, o rosto na janela. Ele começa a sentir um gelo que cresce incontrolavelmente dentro dele, como se tudo fosse explodir num instante. Ele pode ouvir seu nome ser pronunciado, ele queria que fossem os anjos, mas ele tem a certeza que não pela inflexão da voz. Ele se deixa arrastar pela cama e puxa a coberta até o rosto, mas ele tem certeza que tem um rosto bem acima do dele, e ele não ousa tirar a coberta. O som da cortina começa a confundí-lo, a porta do armário com certeza se abriu, e o rosto da janela com certeza está lá, esperando. Ele fecha os olhos e se encolhe. Ele fica ali, atento a tudo, rezando e apertando o seu cricifixo, torcendo para que a colcha possa ser suficiente para sua proteção. E assim adormece.

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- Ei menino, acorde, vamos, você tem que ir pra escola. Vamos rapazinho, como dorme, não sei como consegue!

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- Pronto amor, aqui está seu café, e pra você aqui está seu cereal.
- Viu filhão, você já é um rapazinho, dorme sozinho. Eu não disse que não precisava ter medo?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Carta aos proximos desafortunados

Rio de Janeiro, Terça-Feira, 28 de Março de 2019.

Espero que tire bom proveito dessa carta, venho dizer como acho que isso tudo começou.

Estampido, fumaça, buzinas, farois, metal retorcido, oleo e fogo. A violencia caminhava como uma noiva nas ruas, aquela noite prometia ser um inferno. Ninguem queria parar, nem deveria, não era momento para heroismo ou misericórdia. Infelizmente que os mortos contassem seus mortos.

Eu não gosto muito da ideia de contar sobre esse dia, mas é o tipo de coisa que não posso deixar passar em branco. Fez uma semana ontem, mas parece ainda que é o mesmo dia. Não poderia deixar esse mundo sem dizer algo util para o que vier após a mim.

Acho que as pessoas enlouqueceram, toda a sanidade foi embora e o mundo entrou em colapso. Por algum milagre ainda existe energia, mas o governo ignorou a possibilidade de "plebeus" sobreviventes. Desde quarta-feira não temos mais meios de comunicação. Consegui juntar alguns conhecidos que não enlouqueceram e fizemos um abrigo. Não sei por quanto tempo ficaremos aqui sem ninguem descobrir.

Ontem presenciei uma cena que não sai da minha cabeça, o exercito executou uma criança no meio da rua que parecia estar descontrolada. Não sabemos se é uma boa ideia tentar nos aproximar deles. Estamos desarmados e com muito medo.

Amanhã partiremos daqui, soube que há um possivel abrigo na região dos lagos. Iremos de carro até la.

OBS: tem comida desidratada pela casa toda e se você tiver sorte, tem comida "fresca" na geladeira. As chaves do outro carro estão na estante.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

fim?

- Nada no radar...
- Tenho a sensação de que perdi o contato com eles, eles nem sequer responderam ao ultimo chamado. Não consigo entender.
- Talvez, talvez tudo tenha ido mesmo pelos ares, se tiver acontecido isso, morreremos aqui.
- É, só tínhamos um caminho para voltar para casa, não é?
- Um caminho e só um, único e imutável jeito...


- Acho que pode ser pior..
- O que?
- Pode não haver mais casa. Já pensou nisso?
- Já. Me da arrepios...
- Não demorará muito para o estoque de comida e de oxigénio acabar..
- O que você sugere?
- Não sei, mas não queria simplesmente morrer, não assim, entende?
- Entendo, mas.. nós fomos preparados para isso, para morrer aqui.
- Ninguem está preparado para morrer, ainda mais sozinho.
- É, ninguem, mas... nós não estamos sozinhos. Nós nos temos.
- É, mas no final, quando as coisas acabarem, estaremos sozinhos..
- É.
- Vamos parar de falar e pensar em uma possível solução para sobrevivermos.
- Sim, temos que economizar oxigénio e energia...
- É..

...

- Não acho que esteja certo..
- O que?
- Ficar assim, tudo acabar..
- Como?
- É, acho que, se algo tivesse acontecido la, haveria um sinal de emergência..
- Verdade, teríamos isso nos monitores, no radio, em qualquer coisa.

...

- É, lembrei de uma coisa... Estamos muito distantes, o sinal pode demorar para chegar.
- Hum, vou fazer os cálculos...
- Tipo, acho que devemos emitir um sinal de longa distancia, talvez eles nos achem.
- Hum, 100 dias terraquios, acha que conseguimos sobreviver?
- Talvez.. podemos tentar..
- É.

...

- Acho que gostarei de morrer com você..
- Quase um casamento, não é? hehe
- É, quase...
- Mesmo assim, ainda amarei as estrelas.
- Eu também...

domingo, 5 de setembro de 2010

O Amor Natimorto

- Nossa, ele é tão bonito. Maria pensa baixinho, mal escuta o que as amigas tagarelam na mesa entre os goles de cerveja ou vodka. Sem perceber mexe em sua bolsa e procura o espelho, se olha nele e tenta ver todos os seus ângulos, os reais e os imaginários. Coloca a bolsa no colo e tenta voltar pra animada conversa da mesa.
- Você está louco, esse jogador é uma bosta, foi tarde do meu time. José está totalmente distraído, numa animada discussão sobre futebol. Apesar de tudo não pode deixar de notar a menina que se olha no espelho distraída, parecendo imersa em seu próprio mundo. - Como ela é bonita, pensa.

Por um instante Maria pensa em João, e em como ele a machucou. Sempre que ela pensa, ainda que inconscientemente em um garoto, ela lembra de João. Graças a tudo o que aconteceu em seu último relacionamento ela se fechou e levantou seus escudos. Antes, os garotos tinham potencial de ser o amor da sua vida, agora todos são potenciais fontes de dor. As coisas inverteram, e de lá pra cá sua razão fala mais alto que os sentimentos.

José se lembra de Madalena, da traição e depois dela indo embora. Os homens gostam de bancar os durões mas Madalena deixou José no chão. Ele realmente gostava dela, e ela só pisou. Mulheres! Gostam mesmo é de ter um animal de estimação, não de um namorado. Por isso os caras pelos quais elas caem de quatro geralmente são os canalhas, ele pensa. Mundo de merda.

De repente Marina, uma das amigas da mesa de Maria, reconhece Mário, um dos amigos da mesa de João, e assim eles vão das apresentações até até a junção das mesas. José senta ao lado de Maria.
Eles falam pouco um com o outro, cada um com seus medos e seus receios: Maria se acha feia, gorda, burra e em tudo que ela enxerga de maravilhoso nele, ela se coloca no extremo oposto. José segue na mesma linha, com seus medos e problemas. Todos se divertem e no fim do dia se despedem. José pensa em pedir o msn ou orkut de Maria, mas acha melhor não. Maria queria que ele lhe pedisse o número de celular, mas entende o fato de ele não perguntar como desinteresse.
E assim termina aquele sábado, José indo pra casa, solitário, pensando em Maria, e Maria na frente da TV pensando em José.
Eles nunca mais se encontraram.

Sobre Aspirinas e o Éter

Existe uma doença inominada que ataca certas pessoas. Ela tem sintomas estranhos e não se sabe se tem cura ou mesmo se é contagiosa. Um sintoma desses, por exemplo, é aquela sensação estranha de que alguma coisa ruim vai acontecer. A pessoa acometida desse sintoma sofre uma atrofia terrível, pois é uma atrofia na alma. Essa atrofia a impede, por exemplo, de perseguir seus sonhos. Com a alma atrofiada, ela perde suas asas. Outro sintoma estranho é o de sofrer por antecedência. As pessoas com esse problema tem uma espécie de síndrome do início/fim. Ela tem medo de começar alguma coisa, e quando começa só consegue pensar no quanto vai se machucar no final e assim ela não vive o meio. Tem também um sintoma mais grave que é a que impede a pessoa de enxergar a mudança. O doente acha que nada muda, e com isso não sai do lugar, aceitando o sofrimento e a tristeza que o acomete. Tem também o sintoma que poderia ser chamada de amarfobia. Com medo da dor as pessoas se encolhem, não se permitem amar e não se entregam nem pra outro e nem pra vida. O pior sintoma de todos é o gritar-pra-dentro. A pessoa simplesmente não consegue falar o que pensa e o que sente, abafa o grito e a vontade de gritar só aumenta, mas não sai do fundo da garganta. Essas pessoas não conhecem o silêncio pois dentro de sua cabeça existe um grito sem fim, que aumenta em tempos periódicos. Infelizmente, tudo o que posso fazer é receitar umas Aspirinas, solicitar que tomem de 6 em horas (nos casos mais graves de 2 em 2) e que elas possam deixar seus pensamentos passearem no Éter, fora da caixa craniana, libertos de si mesmo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Passarinheiro

Já era senhor e a idade não dava trégua, desde quando era garoto ele sentia-se cansado de ser velho. Vivia enfurnado com seus artefatos e pássaros, seus troféus, em um quarto solitário nos fundos da casa de sua filha.
Fazia tempo que o velho só fazia isso, talvez tenha sido a única coisa que ele tenha gostado de fazer em toda sua vida, mas desde que se aposentou, e parou de trabalhar naquela serralheria, ele passou a desenvolver mais e mais armadilhas e construir mais e mais gaiolas. Era notavel a felicidade dele quando capturava um passarinho novo, mesmo que fosse apenas um pardal.
Ninguém que ele conhecia jamais o compreendeu por ser tão fanático por pássaros. Talvez não entendessem que na verdade ele gostava era da privação da liberdade dos outros. Mas como ele jamais foi corajoso suficiente para aprisionar um ser maior que poucos centimentros, acabou se tornando um ditador de passarinhos.
Imperador Passarinheiro gostava de impor comando, gostava de privações, mas jamais machucou um pássaro.
Um dia ele morreu, demorou um tempo para notarem sua ausência já que sua filha passou uns dias fora em uma viagem de negócios. Os pássaros morreram de fome sem seu líder solitário, lamentaram a morte do governante estranho e deixaram de existir com ele, assim, quase pra sempre.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pela Merda do Dinheiro

Esse não é bem o tipo de trabalho que gosto de fazer, mas é como sempre digo, nenhum trabalho pode ser tratado com desdém ou como secundário. Meu pai sempre me disse que se eu me propus a fazer algo, devo fazer da melhor maneira possível.
Odeio esse cigarro também, mas não tinha outro naquela loja barata que passei. Aceito essa bela e densa fumaça em meus pulmões como terapia, afinal não é qualquer dia que se faz algo do tipo.
Entro no prédio olhando a foto deles, uma bela família. Digo um nome, mostro uma identificação e vou para o elevador sem que ninguém obstrua minha passagem. Realmente estou horrível com esse uniforme, ele fede a rato morto.
Limpo impecavelmente a janela, enquanto aguardo todos entrarem na sala. Realmente uma família invejável. Um homem exemplar, uma mulher linda, duas filhas doces. Nessa hora eu lembro que odeio prédios altos.
Em alguns segundos esse andar vai pelos ares, na verdade 50 segundos, e eu preciso descer 20 andares de escada. Eu adoro portas de incêndio. É realmente uma pena, não gosto de matar pessoas felizes.
Depois de descer quase 10 andares, o barulho ensurdecedor do sucesso chega aos meus ouvidos. O prédio é evacuado em poucos minutos.
Eu estou longe, bem longe de onde jamais estive. Já não estou mais com aquele uniforme ridículo, mas continuo respirando fundo.
Essa vida de mentiras só pode ser recompensada com muito dinheiro. E é só por isso que vendo minha alma todos os dias, pela merda do dinheiro.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cinza e Prata

Eu sempre achei que cinza combina com prata. Essa cidade com dias nublados e paredes que um dia foram pintadas de branco, já desgastadas e encardidas com o passar do tempo. Eu gosto disso e dessa garoa fina que cai todos os dias e as tempestades horrorosas do verão.
Esse inverno está bom, realmente frio e escuro. Estou com minha roupa preferida, meu sobretudo cinza e o meu chapéu, belo chapéu. Nada como a melhor roupa para uma bela ocasião.
Eu gosto de cinzas, percebi isso quando meu pai acendeu uma fogueira uma vez quando era garoto, eu fiquei vendo o fogo apagar e aqueles galhos ficarem grisalhos pela manhã. Aquela noite foi horrível, mas as cinzas pela manhã me fizeram respirar de novo.
Tem uma moeda no meu bolso, ela é de prata, legitima, uma relíquia nesses tempos escassos. Mas eu gosto disso, gosto dessa decadência. Aqui ninguém realmente consegue ser melhor que ninguém, e eu me sinto bem com isso.
Tem um caminhão passando pela rua, odeio esses novos combustíveis, eles sempre me assustam, mas parece que hoje é o meu dia de sorte. Eu não gosto de fogo, mas gosto de cinzas e de prata.
A calçada é muito estreita, eu empurro algumas pessoas para chegar até ela, ela tem uma expressão tão doce. Eu não sei quem é, não faço ideia de sua história ou origem. Mas em poucos segundos eu a atiro contra a labareda forte jorrada pelo caminhão. Ela berra e queima viva, as pessoas não ajudam, os bombeiros nunca chegam, eles não me vêem. Amanhã lerei sobre as cinzas e pegarei as pratas.
Adeus menina e me desculpe, mas eu realmente gosto de cinza.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A Caixa

Ele tinha aquele sonho de maneira recorrente, e isso o perturbava. Ele não entendia como podia sonhar com aquelas coisas, afinal nada daquilo tinha a ver com ele. Por todos os meios disponíveis de observação e análise ele se enquadrava no quesito sujeito normal, o que o deixava ainda mais perplexo por ter aqueles sonhos tão loucos. E o pior de tudo é que ele não conseguia traçar paralelos entre os sonhos e sua vida, pois todos diziam que os sonhos eram influenciados pela nossa vida e nossos desejos inconscientes, e ele não desejava nada de muito absurdo nem mesmo por detrás da cortina de sua mente. Sendo assim como podia ter aquelas facas nos seus sonhos?
Tudo bem, facas podem significar tantas coisas, pode ser seu desejo de cortar fora algumas coisas da sua vida, como o cigarro. Ele queria mesmo parar de fumar mas não conseguia, por mais que sua esposa e filha pedissem, culpa do estresse, provavelmente. Mas e aquele monte de ossos? Ele nunca cortou nem uma carne para fazer bifes! E nem eram os ossos o pior de tudo, mas tinha aquela espécie de cão com partes de outros animais costurados com linhas grossas e que no lugar de dentes tinha cabeças de garfos. O cão guardava a parte detrás de uma casa totalmente escura com uma espécie de líquido melífluo preto escorrendo de todos os cantos, mas por alguma razão aquilo não pingava nele. No sonho aquele lugar cinza com cheiro de mofo e de sangue velho e com um ar salobro era a casa dele ou pelo menos assim parecia. Tudo era velho na casa e parecia que tinha pegado fogo mas fora apagado antes de se consumir. Ele não conseguia dizer quantos cômodos tinham porque eles se misturavam em ângulos estranhos, em alguns momentos dava mesmo a impressão de terem sido esculpidos na pedra. Ele achava completamente louco sonhar com algo tão maldoso como casa, uma vez que ele gostava mesmo do apartamento onde morava. Ele sentia muito orgulho de tê-lo comprado e tinha muitas recordações maravilhosas dali. Não havia jardim, não que isso o incomodasse, ele nunca quis um jardim, ou um quintal ou um cachorro, ele realmente gostava de apartamentos, eram aconchegantes, seguros e fáceis de limpar. Mas tinha esse sonho, com essa casa que parecia algo saído de um conto de serial killer. E tinha esse quintal com um cachorro feito de pedaços de animais e garfos no lugar dos dentes, seus olhos eram como os de um peixe morto, feios e opacos, você nunca sabia se eles estavam olhando mesmo para você mas sentia como se eles quisessem aprisionar a sua alma. E nesse quintal havia um pequeno portão que dava para um jardim, mas não era um jardim como os que vemos nas casas vizinhas, ele dava várias tipo de flores feias com cheiro nauseante. Ao invés de abelhas havia muitas moscas enormes e verdes cobertas de espinhos, não havia pássaros mas ratos com rabos enormes e olhos de uma maldade ameaçadora, seus dentes pareciam duas lâminas enferrujadas sempre pingando algum líquido viscoso verde ou marrom, e o cheiro que vinha desse jardim era algo simplesmente indescritível. Havia flores que se pareciam com enormes repolhos gigantes apoiados em caules secos e retorcidos, dela vinha um cheiro de ovo podre tão forte que era impossível chegar a 20 metros dela sem vomitar. Haviam folhas que se pareciam com bifes de carne podre, com vermes passeando por ela, e sua cor de sangue coagulado, havia flores que se pareciam com grandes pedaços de membros humanos gangrenosos e com enormes furúnculos, que emanavam um cheiro de peixe estragado e fezes, e várias outras tão feias e com cheiros de enxofre, urina e vômito. Mas aquele jardim era guardado pelo cão-coisa e ele sabia que ninguém poderia entrar lá. Talvez por isso as facas. Mas ele não entendia porque os homens-sapo e as mulheres-coelho. No sonho nunca tinha ninguém conhecido, nem mesmo ninguém inteiramente humano. Havia aqueles homem-sapos, com suas caras verdes e olhos grandes e amarelos, com suas línguas gigantes e sua insaciável fome de moscas. Eles viviam querendo entrar no jardim para se banquetear com as moscas verdes gigantes, mas ele sabia que não poderia deixar, pois as moscas eram as responsáveis por manter aquele jardim florescendo. Droga, florescendo! Essa palavra não se aplicava aquele jardim. E tinha também as mulheres-coelho, com seu pêlo macio e sua cara inocente, mas seus olhos eram como os de tubarões e o som de seu riso parecia com o raspar de faca no mármore. Elas tentavam seduzí-lo, e por todos os cantos daquela casa elas copulavam com os homens-sapo, mas não era excitante. Suas cópulas eram feias, de suas vaginas saia um cheiro de suor velho misturado com desinfetante de eucalipto, eram vermelhas sangue, e delas escorria um líquido amarelado e viscoso. Muitas vezes elas estavam fazendo sexo-anal, com sangue e fezes escorrendo, enquanto os homens-sapo ficavam completamente hipnotizados enfiando seus pênis que pareciam linguiça com verrugas. Eles faziam um gemido horrível, que ora parecia com os galhos de uma árvore raspando na janela em dia de vento, ora com uma menininha sendo violentada por um touro. Mas ele no sonho sempre evitava olhar praquilo, assim como evitava olhar pro jardim assim como evitava olhar pro cão-coisa. Nessas horas ele ia pra um lugar da casa que ele não saberia dizer se era dentro ou fora, ou mesmo se era ali, mas era um lugar escuro, com paredes ocas de vidro, cheias por dentro de um líquido preto e vermelho que ficava se movendo sem se misturar, e com uma pequena iluminação vermelha que vinha dos olhos de rubi incrustrados num rosto humano de uma criança. Essa luz iluminava um pequeno canto desse quarto aonde havia uma caixa, feita de ossos e forrada com tripas, uma cabeça de cobra encimava a tampa. Parecia haver ali alguma coisa muito importante e também muito pessoal, mas toda vez que ele abria a caixa ele acordava. Ele acreditava que esse sonho era recorrente porque ele nunca conseguia abrir a caixa, e ele simplesmente não sabia como fazer. Mas toda vez que ele acordava suando de madrugada, ele olhava em volta do quarto de seu apartamento, olhava sua mulher dormindo, ia até o quarto de sua filha para certificar que ela está ali e vai até a geladeira e pega um copo de água enquanto acende um cigarro. Ele sabe que sua vida é boa, e que ele não tem desejo de matar ninguém com facas nem de copular com mulheres-coelho, e que talvez seja isso o que o seu sonho queira dizer, que mesmo com esse mundo feio do lado fora, ele conseguiu viver feliz ali, dentro da caixa, pra sempre.

sábado, 5 de junho de 2010

Desabafo: A Morte

A morte nunca faz parte de histórias felizes. É sempre algo que nos inspira tristeza e dores, que nos faz pensar sobre a nossa existência e do que nós temos sido para nossos parentes e amigos. Sinto, a cada dia que passa, como se eu estivesse sendo um peso e como se cada pessoa fosse um peso. Não aquele tipo de peso desnecessário e que se deve dispensar, mas aquele, que mesmo que pese demais, jamais possamos nos desvencilhar dele. Somos pesos na vida das pessoas, assim como nós e os outros são pesos nas nossas vidas, jamais poderíamos nos livrar disso.
Eu tenho medo demais, de que um dia, as pessoas tenham que ser leves demais, ou forem apenas tratadas pelo peso “físico” delas, e julgadas. Sabe?
A morte, ou o final da existência, para alguns, me faz pensar que amo. Eu sinto falta dos defeitos e de todas as vezes que até mesmo choro por não ter conflitado minha opinião com uma determinada pessoa que eu amo.
Temo que não tenha sido a pessoa que menos trouxe problemas, que não tenha sido compreensiva e nem amável. Fico triste, todos os dias que penso nas palavras torpes que digo e atitudes estupidas que por algum motivo faço. Temo que um dia alem de mim saiam outros muito machucados a cada discussão mais séria, sinceramente tenho medo, tanto medo que meu coração chega a se comprimir toda vez que penso em algo realmente ruim a dizer. Mesmo quando o ódio me consome, mesmo quando a ira seria proporcional para um apocalipse, mesmo quando a vida é figurativa, existe algo, que não me deixa fazer a pior burrada do universo.
A morte me lembra que matar alguém, não é apenas um processo físico. E eu choro toda vez que descubro que matei uma parte de alguém....

domingo, 2 de maio de 2010

O Começo da Continuação da Vida - Capitulo 3 (Fragmentos e Erros)

"É impressionante como nessas horas você só consegue pensar em você. Eu consigo ver nesse momento apenas o café fraco que está na minha mão, o carro do reboque e esse policial que concordou por algum milagre em não me algemar."

- Eu não sou um assassino! São coisas que acontecem, não é? Todo mundo erra.

"Eu sei que comigo as coisas não acontecem da mesma maneira do que com as outras pessoas. Tudo por causa daquela pedra! Preciso me livrar dela!"

O policial não consegue parar de pensar na cena que acabara de ver.

"Eu só queria tomar umas cervejas com uns amigos e voltar para casa, sabe? É carnaval, aliás, era carnaval ontem."

...


- Mamãe! Mamãe!!! Olha o que eu achei!
- Não tenho tempo pra isso agora, meu filho, estou atrasada para o trabalho e você precisa se arrumar para ir para a escola.
- Mas, mãe! É im...- Lucas foi interrompido por sua mãe – Sem mais! - E Margarida saiu pela porta da frente deixando seu filho com um cristal transparente de 24cm, pontudo e de base achatada, ligeiramente piramidal em suas mãos sem sequer olhar. Mas não havia problema, afinal, esse era seu primeiro erro.

...


No bar, dois universitários conversavam pela manhã enquanto faziam um curto desjejum rico em café....

- Já viu a manchete do jornal de hoje?
- Não, o que tem nela para você estar tão empolgado?
- O presidente foi deposto! Eu te disse que isso ia acontecer!
- Era de se esperar, Rodrigo.
- Não era a 1 mês atrás, quando eu te disse isso! Você tem que entender, Marcelo, eu vi o futuro!

...


E eles ainda estavam perseguindo os fragmentos enquanto o mundo acabava.

- Acho que o erro foi meu, sou o mais velho e deveria ter percebido antes. Agora posso sentir que é quase tarde demais! - Disse João numa calma assustadora e indiferente. Ele comentava sobre si sozinho...

O engenheiro da obra ao seu lado olhou para ele e perguntou as horas.

E isso foi algo que incomodou de verdade. João não soubera responder. O senhor do tempo perdeu a hora de novo.

...


A Esperança estava longe de morrer. Recordando-se de um dia quem foi, ela caminhava por uma floresta junto com insetos.
Uma pequena xará verde havia dito que sabia de um fragmento, que tinha ouvido uma história, e que vagalumes iluminariam o caminho da menina quando ela fosse procurar a pedra.

sábado, 17 de abril de 2010

João - O Enterro pt II



A primeira pessoa a cumprimentar João foi sua tia. Ele ficou surpreso ao olhar em seus olhos e não ver nenhuma acusação neles, apenas tristeza. Ele sabia que a tia o desprezava pois ela costumava dizer que ele não tinha a chama da vida dentro dele mas sim a geleira do inferno.
Ele também não gostava dela porque achava que ela queimava combustível demais se preocupando com a chama da vida alheia. E além de tudo isso tinha Mário, um derrotado que não podia ver um rabo de saia mas que sempre conseguiu esconder da mãe sua verdadeira face. Contra Mário ele não tinha nada já que ele nunca extendeu a João o tratamento da mãe, mas o seu silêncio toda vez que estavam reunidos enquanto a tia praticava seu esporte preferido, que era humilhá-lo, havia deixado um ranço.
Depois da tia foi a vez das duas amigas da igreja, Solange e Márcia, cumprimentá-lo. Ele se lembrava bem das duas nas tardes em que se encontravam na casa de sua mãe para comer bolos, rezar, ler a bíblia e falar mal de todas as outras irmãs da igreja. Solange em especial tinha um veneno natural mortal. As duas chegaram a tentar algumas vezes a convencê-lo a frequentar a igreja, mas a resolução firme dele em não se meter com essas coisas fez com que desistissem de vez. Após os cumprimentos todos se dirigiram para a capela para velar o corpo. Ao chegar lá João olhou para sua mãe em silêncio, e pela primeira vez desde que recebera a notícia ficou realmente triste. Vendo sua mãe dentro do esquife de madeira, inerte, olhos serenamente fechados, mãos colocadas de maneira ordenada sobre o peito, ele se deu conta de que pela primeira vez ele via sua mãe numa completa expressão de repouso. Sua mãe sempre fora bastante irrequieta, nunca estava parada. Ele percebeu que ela não combinava com aquela falta de movimentos. De repente ele percebe que sobre todos os aspectos era um cara de sorte pela mãe que tivera. Ela nunca achou estranho sua personalidade introspectiva, ela mesma, olhando em retrospecto, se mantinha em movimento dentro de seu próprio mundo. Ele não sabia se ela guardava alguma mágoa ou raiva pelo abandono do marido pois nunca ouviu dela um único lamento sobre isso. Vai ver ela o amava ainda, vai saber. E agora aquela mulher que começava a faxina num cômodo da casa apenas para voltar para ele quando todos os outros estivessem limpos num looping sem fim jazia ali, sem movimento, sem a tal chama da vida. Solange, ao ver a desolação de João, resolve praticar sua solidariedade:
- Eu sinto muito João. Sua mãe era uma mulher única. Agora tudo o que você pode fazer é se voltar para Deus.
Em outros tempos João teria ficado irritado com aquele proselitismo, mas dessa vez apenas respondeu com sinceridade:
- Deus, ainda que existisse, não poderia fazer nada por mim agora. Na verdade ele vem se demonstrando bastante ineficaz para resolver quase tudo.
- Você não deveria culpar Deus pelas desgraças do mundo. Não é ele o responsável pela loucura que assoma os homens, e a morte é preço pelos nossos pecados.
- Pelo menos você não colocou a culpa no diabo, continue assim e logo você passa a se sentir responsável pelos prpórpios erros. João percebe que essas palavras a atingiram. Tentando não demonstrar raiva ela diz:
- Você demonstra desprezo pelo mundo mas você não está em melhor posição do que nós. Solange olha para o esquife como que para corroborar o que acabou de dizer. - Você precisa parar de olhar para o abismo João, nem todos estão aqui para tornar sua vida miserável.
- É, tem razão, nem todo mundo...
Solange fica em silêncio. O Padre chega para a missa de corpo presente, recita sua homilia e por fim começa a entoar o odioso louvor Segura na Mão de Deus, e a canção é realmente eficiente pois todos começam a chorar. Os funcionários do cemitério chegam para ajudar joão a carregar o caixão. No trajeto até a cova ele pensa na dolorosa inutilidade de tudo aquilo. Ele sabe que o universo não liga para nada disso, na verdade ele não liga nem pros mortos e nem pros vivos, pois o universo funciona através de mecanismos dos quais não fazemos parte. - Nos tire da jogada e ele vai continuar como antes, de fato nem vai notar nossa retirada. Diante desse pensamento ele quase sorri ao perceber a ironia no fato da humanidade se dar tanta importância. - Existem mais bactérias que gente, então foda-se. Chegando à cova João observa todo o trabalho dos coveiros. Quando o caixão começa a descer ele observa suas três companheiras de infortúnio jogarem flores. Ele se lembra que sua mãe detestava flores, mas não acha graça naquilo. Quando tudo por fim acaba e todos se encaminham para a saída ele percebe que sua tia anda a seu lado.
- Mário não veio por causa do trabalho. Não deram o dia pra ele e sabe como é difícil arrumar um bom emprego nesses dias. Diante do silêncio de joão ela continua:
- João, sei que temos problemas, mas não posso deixar de me sentir um pouco responsável por você agora que sua mãe se foi. Essa era uma coisa que ele não esperava. E nem desejava. Ele gostava de sua independência e de sua falta de laços afetivos, ter a sua tia se metendo em sua vida era a última coisa que ele queria nesse momento.
- Muito obrigado, mas está tudo bem. Além do que você já tem o Mário para se preocupar.
- João, até quando você pretende viver assim, fugindo das pessoas, se isolando do mundo como se ele fosse algo contagioso? Fugir dos seus sentimentos não te torna uma pessoa incapaz de sentir. Isso não é natural para nós, acredite.
- Muitas coisas não são naturais e as pessoas a adotam, fazem delas modelos de comportamento, nomeiam de etiqueta e depois dizem ser a cultura de um povo, sua identidade. Crer num ser invísivel é uma delas. Por outro lado para algumas coisas naturais dão todo tipo de nome sujo, demonizam até seu lado mais bonito, ou simplesmente tentam ignorá-lo a todo custo, o sexo é um exemplo.
- Sim, e cada uma delas, a seu tempo, vem á superfície. Ignorá-los ou dar-lhes nomes bonitos ou feios não mudam o que elas são, nem impedem ninguém de fazê-las ou não, mas todo mundo, talvez até mesmo por isso tudo, tentam ao menos entendê-las, e ter alguém para compartilhar essas experiências serve para ampliar os horizontes e não o contrário. Eu posso ser uma velha carola mas não sou burra, João, e, a despeito das aparências, nunca me entreguei a escuridão humana. João fica realmente surpreso ao ouvir aquilo tudo de sua tia, e talvez por conta da circunstância em que se encontra, aquilo o atinge.
- Mas de que adianta tudo isso? A sociedade é doente e se apóia em alicerces tão sólidos quanto a areia: Deus, economia, política, consumismo, liberdade. As pessoas agem como se a liberdade fosse algo que existisse e que se corroborase através da vida em grupos, mas a verdade é que a própria palavra não tem sentido. O que une as pessoas não é o amor ou a felicidade, mas o medo. Eu não tenho os medos irracionais da humanidade como a morte ou a solidão. Isso sim é liberdade. Não preciso fingir absolutamente nada para estar junto de outras pessoas como famílias, comunidades ou grupos, como pássaros em um ninho esperando que a comida lhes venha á boca. Eu nunca pertenci porque nunca quis pertencer a nada.
- Bom João, não vou insistir, é a sua escolha e a sua vida. Mas lembre-se que existe um preço alto por essa liberdade, e a vida vai lhe cobrar, afi nal o que você enterrou aqui hoje não era só um pedaço de carne. E já que você escolheu viver assim, lembre-se que não haverá ninguém por perto para ouvir seu grito ou aplacar sua febre.
E assim sua tia acelerou o passo e foi embora, sem olhar pra trás. E aquelas palavras ecoariam na cabeça de João pelo resto de sua vida.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Contos de Carnaval - I

Lúcia passa o batom em frente ao espelho, o último ítem de sua fantasia de fada.

Enquanto isso ela lembra de Mauro e de como o conheceu no ano passado naquela visita a um cliente. Ela tentando negociar seus produtos e aquele supervisor todo encaixado em seu terninho. E a negociação fechada e o convite para um café a título de comemoração. E aquela conversa agradável revelando um rapaz inteligente e sensível se estendeu no convite para um jantar e depois um cinema. E foi tudo tão mágico. De repente 6 meses já haviam se passado e ele fazia parte de sua vida de maneira irremediável, ele conquistara não só Lúcia como seus pais e irmãos. E agora ela se via ali, uma fada de batom rosa no espelho, pensando no trabalho que ele teve que atender e que roubou sua presença justamente quando ela queria aproveitar com ele a mágica do carnaval, festa que ela tanto gostava. Mas ele era aspirante a um cargo superior e isso era importante para o futuro deles. E ela sai em direção ao baile, para encontrar com as amigas que a chamaram já que ela estava sozinha em casa, e com as imagens desse futuro ela vai, a fada de batom rosa.
E o baile é lindo, todas aquelas fantasias e as pessoas alegres ao som das marchinhas, uma explosão de sorrisos e cores. E então no meio do salão ela vê Mauro, com sua fantasia de pirata e seu tapa-olho num beijo caloroso na mulher-maravilha. E ela ainda olha enquanto eles brincam o carnaval entre carícias e gracejos. Lúcia vai para um canto e chora por um longo tempo. Ela olha pro salão lotado e vê suas amigas brincando animadas. Ela engole o choro e vai em direção das amigas munida de seu orgulho resolvida a não perder o baile, mas antes mesmo de começar a andar a fada de batom rosa sabe que o carnaval acabou.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Acordar

Eu com certeza estava sonhando. Ele estava lindo. Nós encaixávamos perfeitamente. Era notável para todos os presentes. Tanto eu, quanto ele e os objetos do banheiro sabíamos que aquilo era inegável.

A música suave se intensificou e nós estávamos cada vez mais apaixonados. Pulsávamos como estrelas, brilhávamos como explosões intergalaticas e nossos corpos pareciam buracos negros sugando uns aos outros. Nossas bocas eram o vácuo do universo tragando a nós mesmos como um aspirador. Meu coração realmente batia.

Mas aí eu acordei, 20 anos depois. Ele havia saído para trabalhar e eu estava gorda.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Um novo passo...

Nós 3 demos um passo a diante. Discutimos que de alguma forma queremos crescer e sermos mais lidos.

Para isso pensamos que talvez fosse bom usar uma rede de relacionamentos para aproximar novos escritores e pessoas interessadas na nova literatura e nas mentes pensantes e pouco exploradas por aí.

Como percebi que algumas comunidades do orkut, bons textos nem sempre são bem vindos, criamos uma que eles sempre serão bem vindos e bem comentados. Portanto: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=98415711

Sejam bem vindos a bordo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

João - A Morte pt I

João não esboçara nenhuma reação à notícia que acabara de receber. Mário ficou perplexo diante da reação de seu primo ao receber a notícia, ou melhor, a ausência dela. - Sua mãe faleceu, disse Mário, mas a reação de João foi como se alguém lhe tivesse dito - hoje vai chover -, quando o clima não faz a menor diferença. João não era dado à filosofia, tudo na vida de João era prático, se sua mãe morreu, que possa ter ido para o céu. Para os vivos a vida continua.

João aperta a mão de Mário, olha para o primo como a dizer que entendeu a mensagem, pega o papel do hospital que Mário trouxe para ele e fecha a porta, afinal ele precisa passar no escritório e depois começar a preparar toda a papelada. - Ao diabo com essa coisa de morte! Diz para si mesmo. João sabe que não tem o que lamentar nem o que sentir falta, afinal a mãe dele não foi melhor nem pior que qualquer outra mãe, e isso também não fazia mais diferença. - João, coma logo essa comida enquanto está quente! Era a lembrança que ele tinha da mãe nesse momento, enquanto pegava sua mochila e se dirigia para a rua. Nada de excesso de zelo, super proteção ou coisa do gênero, a única preocupação de sua mãe era que ele não esperasse a comida esfriar para comer, pois seria um desperdício de todo o seu trabalho de cozinhar. Prático assim. João só pensa no café forte que o espera no escritório, a única coisa que ainda faz com que o seu trabalho não valha menos que um rato morto em decomposição depois da chuva. Era exatamente assim que ele imaginava o escritório: uma coisa morta enquanto ele e os outros se contorciam como vermes á procura do seu naco de carne podre. Ele não tinha nenhuma ideologia ou filosofia partidária, o fato dele não gostar do sistema vigente não significava que ele acreditasse em um sistema melhor. - São as pessoas - ele costumava dizer - que estragam tudo. João queria lembrar mais da sua mãe, ele chega mesmo a sentir um início de culpa, pela distância que ele tomou dela, mas João sabia que tinha feito o que era certo. Ele cuidou dela, se não com carinho pelo menos com responsabilidade, até onde era possível cuidar de alguém, e quando a doença tomou conta ele fez a coisa mais coerente a se fazer, entregando a mãe aos cuidados médicos. - Me deixe morrer em casa, me conceda ao menos esse último ato de dignidade, não me deixe morrer numa cama de hospital enquanto estranhos invadem minha intimidade, me metem numa fralda e me deixam morrer toda cagada e sendo observada por eles com o mesmo zelo dos urubus! Mamãe nunca tornava as coisas mais fáceis.
Depois de uma viagem de trem e uma de metrô – de cascadura até a central e da central até o largo da carioca – João pára em frente ao prédio de número 50. Ele olha para o topo do prédio, até o 17º andar, e depois se dirige até a entrada. Cumprimenta secamente o porteiro e o segurança, sem levantar a cabeça. Quando entra no elevador João pensa se está parecendo triste o suficiente, triste como quem acaba de perder a mãe, e fica realmente preocupado, afinal ele terá de falar com o Chefe. Ter de falar com o chefe sempre o deixava nervoso. Para ele os chefes não eram pessoas com quem pessoas como ele deveria falar. Chefes existem para dar ordens, pagar os salários, tentar não falir as empresas e serem desagradáveis como só os chefes podem ser. Chegando ao escritório ele tenta parecer abatido, ele quer evitar as pessoas para que as coisas sejam mais fáceis, não que ele realmente precise, afinal a essa hora provavelmente todos já sabem do acontecido, mas João teme que as pessoas possam perceber que ele está bem. Na verdade a única coisa que o atormenta é o desconforto de ter de comparecer ao velório e ter que aguardar pacientemente o cumprimento dos parentes. João se dirige até a máquina de café e se recompensa com uma dose tripla, e então vai até a sala do chefe e bate na porta.
- Entre.
- Chefe, é minha mãe, ela faleceu. João olha para baixo e tenta parecer o mais triste possível. O chefe o encara, então João tira um papel do bolso e o entrega ao chefe. – Aqui está a notificação do hospital. Ainda não pude pegar o atestado de óbito.
- Meus pêsames João. Quando será o enterro?
- Hoje à tarde, no jardim da saudade.
- Bom, João, vá e tire seus dias de folga. Despeça-se de sua mãe.
- Obrigado, diz João de maneira tímida e se vira em direção à porta.
- Ei, João, foi melhor assim. Ninguém merece sofrer em cima de uma cama de hospital, esperando a morte. João acena com a cabeça, seus lábios apertados, em sincera aprovação. João pensa que talvez tenha se enganado a respeito do chefe, mas como eles são sempre imprevisíveis ele prefere não pensar nisso. É claro que mãe é algo que todos respeitam, até mesmo os chefes.
Depois de falar com o pessoal da funerária e assinar todos os documentos João se prepara para ir ao cemitério velar o corpo e esperar os parentes. Ele sabe que a mãe não mantinha muitos contatos com estranhos, apenas uma ou duas amigas da igreja e os poucos parentes que ainda estavam vivos, como uma prima e a irmã dela, mãe de Mário. João não tem nenhum motivo para não gostar de nenhum deles, mas também não vê motivos para gostar. Ele nunca se deu bem com a tia, já que essa sempre desdenhou dele. – É por isso que o Mário vai ser alguém e você não! Era que o que a tia costumava dizer. Não que Mário tenha realmente se tornado alguém, pelo contrário, por ser um mulherengo tinha três filhos, cada um com uma mulher diferente, e todo o seu salário era para pagar pensão. Ainda assim ele detestava a maneira como a tia o olhava, como se ele fosse um alienígena, um bicho ou um aleijão. Ele sempre detestou a dinâmica de relacionamento entre familiares, alguns se viam, poucos se falavam, nenhum se ajudava, e para ele essa equação resumia tudo, ele realmente não via motivos para que fosse diferente disso. - É a natureza das coisas. Ele dizia. Chegando ao cemitério tudo o que João consegue pensar é que ele queria que estivesse chovendo ou nevando, pois o calor que fazia na cidade estava insuportável. Ele pensava que as convenções eram insuportáveis por isso, por abrirem mão da praticidade em nome das aparências. - Dane-se que é o enterro da minha mãe, eu não estaria mais ou menos triste se estivesse de bermuda! Ao invés disso, ele tinha que se contentar com o terno preto e com a gravata cinza.Ele vai direto para a cantina e compra 2 garrafinhas de água. Ele observa aquelas pessoas e percebe pela primeira vez que ele realmente não queria estar ali. Antes que ele pudesse pensar em mais alguma coisa ele vê chegar sua tia e algumas amigas da igreja. - Bom, agora não tem jeito, se tem que ser assim, que assim seja.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Como ja era de se esperar...

Deem as boas vindas para o mais novo membro, escritor e sonhador do blog: Arthur.

Seu nome ja vem de boas histórias e pelo que eu ja li, ele não fica para tras de grandes reis.

Portanto, Bem vindo!
Se sinta em casa, cara!

Dias Noturnos - Capitulo 5 (Encomendas e Borges)

E aquele longo prédio indecifrável a segundos atrás se sobrepunha a sua visão, de maneira que não tivesse tempo para duvidas. Sara adentrou corajosamente no Edifício Borges. Sem pestanejar e olhar para o simpático senhor que estava atrás do balcão. De fato não era um prédio comercial, e Sara andou pensando que era óbvio que tudo estava preparado. Sua entrada sem barreiras denunciava que o prédio esperava por ela, as paredes e toda aquela limpeza de que ela passara longe durante toda a sua estadia nessa cidade.
Era surreal demais até para a sonhadora Sara que já havia esquecido por completo a Vila dos Porcos e todo aquele chiqueiro a uns 2 km de distancia. O elevador parou no quinto andar, a porta lentamente abriu-se e Sara sem esperar o ciclo completar-se, saltara para fora do elevador, adentrando em um corredor de carpete e luzes amarelas, como o de um hotel. Ela andou olhando os apartamentos, um por um, até achar o 512. Sara pensou por um momento “Ainda dá tempo de desistir e procurar a pessoa certa, para quem foi enviado o bilhete...” mas ao mesmo tempo que pensava e mordia os lábios, Sara colocou a chave na porta e a girou, destravando-a e após girar a maçaneta, fazendo a porta abrir vagarosamente, mostrando pela luz do corredor o inicio de uma grande sala.
Mão direita no interruptor e estava lá, tudo como deveria estar em uma bela sala de estar de um apartamento. Uma bela mesa de mármore e madeira, de forma retangular, com 2 cadeiras nas pontas e 2 de cada lado dos lados maiores, em um total de 6 belas cadeiras. Havia também mais perto de Sara dois sofás de quina, pretos, um de 3 lugares, colado na parede, extremamente confortável, e outro de 2 lugares que ficava a frente da mesa. Do lado oposto dos sofás estava uma televisão na parede, dessas de 40'', tela plana, que só rico poderia ter. O chão era branco, um piso bonito e branco, parecia que tinha sido limpo hoje ou quem sabe ontem. Estava impecável.
Sara ainda estava admirando a sala quando reparou um caixote sobre a mesa, aquela bela mesa de mármore. Um caixote de papelão, pequeno, lacrado com fita, escrito “frágil” em sua lateral e com um papel dobrado em cima, preso por uma fita adesiva vagabunda. E esta foi a segunda vez que Sara hesitou, ela poderia sair dali ainda, fingir que tudo era um engano, mas enganada estava. Sara desdobrou o papel e encontrou outras palavras escritas.

Novo trabalho para você,
Entregue isso a um velho amigo, o endereço é: Rua dos Loucos, número 18. Não se esqueça, é para o Rodrigo Smith!

Casa nova, vida nova. Aproveite!



...


- Bom, Victor, agora vem a parte simples – dizia Marina um pouco ofegante – pelomenos para mim.
- Parte simples? Eu vejo a estrada logo ali, mas parece que ela nunca chega! - limpando o suor da testa.
- A parte simples é que seu nome não é mais Victor Brhams. Marcos Borges é seu novo nome. Sua documentação está toda na sua bolsa. - disse Marina de maneira indiferente sempre olhando em direção a estrada.
- Mas como assim? Mudar meu nome? Que história é essa? - Victor estava perplexo. Sua boca aberta e seca, testa franzida e olhos arregalados, tudo isso denunciava seu estado de surpresa e anseio.
- Não é mudar de nome, agora você é outra pessoa. Victor Bhrams morreu no caminho para o hospital, não existe mais! - Seu tom de apático se transformara em agressivo e Victor respondeu com um silencio e um olhar perturbado e amedrontado para Marina.
- É assim então? Eu não existo mais? Sou outra pessoa agora e devo agir como ela?
- Exatamente.
- Tenho escolha?
- Tem, ou você aceita essa sua “nova vida”, ou morre de verdade. - Marina falava essas coisas como se dissesse as horas ou pedisse um hamburguer – Até determinado momento, eu serei sua babá. Não tente fugir de mim, ok?
O que não cabia na cabeça de Victor naquele momento era aquela mulher doce se tornando um monstro ao seu lado, ele ali agora percebeu que ela estava armada, tinha uma pistola bem grande em sua cintura e isso fez Victor tremer.
O caminho até a estrada foi em silencio, enquanto isso Victor, ou Marcos, sentia sua face e todas as partes que estavam expostas ao sol arderem. As pernas começaram a reclamar seus minutos de descanso, os músculos fraquejavam e a língua estava colada no céu da boca, mais seca do que qualquer lembrança sobre sede que Victor tinha. Enfim, quando os dois pensavam em desfalecer, seus pés alcançaram o asfalto rachado da estrada.
Providencialmente havia um carro ali, Marcos, ou Victor, pensou se aquela lata velha realmente funcionaria naquele calor, mas Marina não precisou de muita perícia para tira-lo da inercia. Os dois entraram e partiram em linha reta para o horizonte desabitado, demorou quase a tarde toda para que eles chegassem em uma zona habitada que segundo Marina, era uma área de governo paralelo chamada Dãgslote.
- Pernoitaremos aqui, seu novo patrão tem um bom transito e respeito por essas bandas. - disse Marina parando o carro na frente de um portão de grade apoiado e um muro bem grande.
- Que lugar estranho, espero não ter que passar muito tempo aqui. - disse Victor espantado com todas aquelas ruínas sobreviventes de alguma cidade. Ele de fato nunca havia saído de Lassitah, sua cidade natal, seu inferno pessoal. - Você sabe o que eles fazem por aqui?
- São criminosos, Marcos. - séria e calma, dizendo lentamente palavra por palavra - Eles fazem coisas politicamente erradas e são maus, mas você não está longe de se tornar como um deles. - e terminou a frase com um leve sorriso.
- Eu criminoso? Olha, não tenho coragem nem de matar uma mosca!
- Criminosos covardes são os mais perigosos! - soltou uma grande risada. - Seu amigo o escolheu bem!
Enquanto Marina ria, uma criatura grande se aproximou do carro. “Um troglodita” pensou Victor enquanto via pelo vidro o homem se abaixar para falar com Marina. Aquele ser de seus 2m e alguma coisa de altura, de quase 200kg, carregando correntes, uma arma quase do seu tamanho e toda sorte de metais e tatuagens espalhados pelo corpo. Era de se intimidar, ainda mais ao perceber que ele não era o único, em pouco tempo o carro estava cercado daqueles tipos estranhos e mal encarados. Haviam magros, gordos, baixos e altos, mas nenhum deles parecia ser dotado de simpatia no olhar.

Victor já havia se convencido que aquele pernoite seria o mais estranho da sua vida, mesmo que o da noite anterior, ou dos dias anteriores, fossem bem esquisitos. Ao adentrar em seu suposto aposento, ele se deparou com uma mesa de cirurgia velha e enferrujada e uma almofada, furada e provavelmente cheia de ácaros, sobre ela. Havia apenas uma luz fluorescente sobre um pequeno espelho, que por sua vez era sobre uma pia, que ficava do lado de um vaso sanitário com uma aparência duvidosa. Um vasculhante apenas, um ventilador de teto, daqueles de aço do século passado, que movia-se como uma lesma.
Victor ou Marcos, adormeceu de exaustão sobre a mesa. Seus sonhos infantis dominaram a noite. Victor agora era um famoso jogador de basquete, que tinha super-poderes e muitos amigos, ele também iria se casar com a menina mais bela que conheceu, ela não sabia que ele podia voar.


...

Ela pensou novamente, pensou que talvez não fosse tarde procurar a pessoa certa, mas achou que talvez fosse melhor ir entregar a encomenda e depois procurar saber pra quem era o primeiro bilhete. Talvez também ela estivesse enlouquecendo mesmo e a Rua dos Loucos seria um lugar ideal para se refugiar, quem sabe? Sara tomou as ruas novamente.
Aquele dia quente e úmido, os carros respirando poluição, as obras transpirando poeira e toda a sorte de violência esgueirando-se nos becos em plena luz do dia. De fato nada estava fora do lugar, apenas Sara, praticamente alienígena e perdida, caminhando para seu destino incerto na Rua dos Loucos, logo ali, em algum canto esquizofrênico da cidade.
Ao pegar o ônibus lotado novamente, mais um contratempo, dois carros bateram e fecharam o cruzamento. Sara com pressa, tomou o subterrâneo, o velho Metrô. Sua caminhada árdua até a plataforma não a deixou pensar novamente, as ruas estavam cheias como sempre, e no subterrâneo, a agitação delas chegava a ser sufocante. E então Sara teve a impressão de ver alguém conhecido, um rosto, um andar, mas não pode ter certeza. Ela tentou seguir, mas o Metrô chegou e tanto ela, quanto ele, entraram nele, mas em vagões bem distintos.
Sara quis atravessar os vagões, mas eles não estavam conectados uns aos outros. E então ela ansiosamente esperou até que as portas se abrissem para tentar trocar de vagão. Mas na primeira ela foi empurrada com violência para dentro, e nas outras as coisas ficavam cada vez mais difíceis. Até que em uma delas a maioria saltou.
Sem perder tempo, saltou para o lado de fora e correu na direção do rosto conhecido, mesmo sem saber se ele já havia saltado ou não. Mas por sorte ele saiu ali, mas a multidão era grande, tão grande, que ela o perdeu de vista, mas continuou segundo o fluxo para a saída. E então ela o achou de novo, achou aqueles cabelos loiros que procurava.
Atravessando a multidão, derrubou senhoras, crianças, bancas de comerciantes ilegais, mas sua velocidade acelerada não se continha por esses obstáculos. Chegou a rua e continuou a persegui-lo, ele estava a uns 100m de distancia quando o ônibus parou. Ela gritou:
- Marcos! Marcos, espera!

Ele hesitou, olhou em volta, mas entrou no ônibus deixando Sara para trás.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A Viúva Negra

A bela viúva negra passeava por sua teia. Tecendo suas bordas, ela bailava ao som dos predadores noturnos que estavam acordando para mais um anoitecer sangrento, feito para o caçador. Mas desta vez a bela viúva negra que tecia seus fios, não os tecia por maldade, não os tecia pelo cheiro da morte, não os tecia por luxuria. Ela apenas tecia-os porque deveria, ela não tinha mais vontade, mas continuava a tecer.
Suas lembranças vieram naquela noite com sabor de nostalgia e arrependimento. O amor e o calor de seus amantes, belos e cegos por sua beleza, a doce traição, o desespero de cada vitima, seus olhares, o veneno e toda a sua natureza destruidora. Ela lamentava sua solidão.
Seu corpo estava frio, suas palavras não eram ouvidas, seus pensamentos não tinham muito valor. E então ela saiu de sua teia, e caminhou ao encontro dos predadores e da lua naquela noite clara. Ela viu outros solitários. A velha e astuta raposa que outrora exibia seus pelos dourados hoje estava senil e só, o lobo que outrora foi Alfa hoje se cobre com sarnas, porém a coruja sempre só não se surpreendia. Ao parar sob sua arvore a coruja lhe disse que agora ela sabia seu futuro e depois voou para se encontrar com outra amiga solitária, a bela aranha resolveu andar. Andando pela floresta a viúva quis chorar.
Foi quando um macaco disse para fugir, ele havia visto um caçador. A viúva sem hesitar, seguiu o rastro, até encontrar uma fogueira e um jovem solitário. Ele limpava uma espingarda. A bela aranha esgueirou-se por trás das arvores e observou, como uma velha predadora, aquele belo rapaz.
Seus dentes se serraram, seus pelos arrepiaram, se coração bateu. Daquela distancia, como muitos anteriormente, ela se apaixonou. E sem ação ela esperou seus olhares se cruzarem. O rapaz levantou-se com um susto ao observar dois olhos brilharem na escuridão da floresta e a recepcionou apontando sua espingarda. A viúva não falou nada, apenas deu um passo para mais perto da luz. O jovem ao se deparar com a bela mulher, abaixou a arma mas com medo hesitou em levanta-la novamente.
Lentamente eles se acostumaram com a presença um do outro, trocando olhares e sinais. Ela chegava mais perto a cada respiração, até que seus corpos se tocaram. Os apaixonados rolaram sob as arvores como se fossem mil noites, seus corpos insaciáveis atravessaram as horas como furacões, até que ela destilou seu veneno.
Havia chegado a hora, a hora que diria seu futuro. A viúva hesitou novamente e com seus penetrantes olhos negros encarou os suaves olhos azuis do rapaz, seu salvador. E com a boca cheia do mais letal veneno, cujo ela fez especialmente para aquela noite, ela beijou sua testa e deitou em seu colo e engoliu todo o veneno. E eles adormeceram, ela acolhida no calor do peito dele, e ele com a mão entrelaçada nos cabelos dela.
O rapaz mal entendeu quando acordou pela manhã, deitado e nu, sob a copa de uma grande arvore, com uma aranha morta sobre seu peito.